Nós judeus temos hábitos peculiares (lembrem-se que para ser um bom judeu vc tem 613 Mandamentos para cumprir). Vários deles tem a ver com a morte e sepultamento.
No judaísmo o corpo não nos pertence e na verdade nos foi emprestado por D’us para nosso uso durante esta existência e portanto existem muitas restrições do que se pode fazer com este corpo, por exemplo não se pode (ou não se deve):
- Fazer tatuagens
- Doação de órgãos
- Autópsia
- Cremação (alias isto é quase abominável na religião)
No judaísmo o sepultamento deve ocorrer tão cedo quanto possível e o corpo deve passar por um ritual de purificação, chamado em hebraico de “Taharat”. Consiste, alem da lavagem do corpo, de um conjunto de rezas, feitas por voluntários, que conhecem muito bem as regras. Toda comunidade judaica que se preza tem uma Sociedade filantrópica chamada de “Chevra Kadisha” (significa Tarefa Santa), que faz esta tarefa. Como exemplo dizem que meu Tataravô Nathan se “recusava” a morrer enquanto não houvesse um cemitério judaico em São Paulo (com a Proclamação da República e consequente separação do Estado da Igreja, houve uma proibição de haverem cemitérios religiosos). Ele conseguiu seu intento e foi a primeira pessoa sepultada no primeiro cemitério judaico de São Paulo.
Ricos e pobres são vestidos com uma mortalha branca, indicando que a morte é democrática. No Livro bíblico de Genesis (Bereshit em hebraico: 3:19) esta escrito: “Pois do pó vieste, e ao pó retornarás”.
O caixão é simples, sendo o único adorno uma Estrela de David (aquela de 6 pontas), e cada um é enterrado em sua própria cova) não há jazigos, não há translado de ossos depois de algum tempo. Em Israel o corpo é enterrado sem caixão (creio que o uso do caixão seja uma exigência sanitária local), numa cerimonia simples e sem ostentação
Num período que varia de 1 a 11 meses se faz uma “inauguração” do túmulo, que se chama Matzeva https://pt.chabad.org/library/article_cdo/aid/3418520/jewish/A-Colocao-da-Matsev.htm
Quando se visita um túmulo não se leva flores, mas se coloca um pedregulho sobre o mesmo. Devem haver várias explicações para este costume, a que eu aprendi diz que isto remonta à época do Patriarca Jacob. Raquel sua esposa preferida (mãe de José) morreu no parto de Benjamin e por estarem longe da Gruta de Machpelah (tumba dos patriarcas) foi enterrada no deserto e seu túmulo foi coberto por pedras (no deserto enterrar não daria certo, pois o vento descobriria o corpo). https://en.wikipedia.org/wiki/Rachel%27s_Tomb
Minha avó Regina não gostava de ir ao Cemitério e dizia que o Anjo da Morte buscava seus “fregueses” por lá (minha família materna era bem supersticiosa). Apesar de não gostar deste lugar, me obrigo com alguma frequência ir lá fazer o que eu chamo de “Tumba Tour”.
De qualquer modo como já escrevi em outros textos me encanta conhecer as praticas de outras culturas, por exemplo:
- Em vários países da América Latina se frequenta o cemitério e as crianças passam a ter uma experiência de “convívio” com o antepassado já falecido.
- No Irã, onde cada família tem um poeta de sua devoção, as crianças são levadas aos túmulos dos mesmos, onde aprendem os poemas por eles escritos.
Livingstone – Zâmbia
Em 2011 a Luci, Gabriel e eu fizemos uma linda viagem para a Zimbabwe e Zâmbia.
Um dia em Livingstone, antiga Capital da Zâmbia (Vcs devem se lembrar da famosa história do explorador Escocês, David Livingstone, que em busca da nascente do Nilo, desaparece e alguns anos depois Stanley o encontra e diz a famosa frase: “Dr. Livingstone, I Presume”), estávamos com nosso Ranger, qdo passamos em frente a um cemitério, relativamente grande, sem muros, onde pessoas o frequentavam, conforme descrevi a cima. Repentinamente aparece uma parte murada e eu pergunto ao Ranger: “O que é isto?” e ele responde: “o cemitério dos judeus”. Eu rapidamente disse, pare que eu quero visitar.
La fomos nós visitar. Havia cerca de 20 a 30 túmulos, a maior parte se iniciando na época da ascensão do Nazismo na Europa e terminando com a Independência da antiga Rodésia do Norte (1964). Lembrem-se que a Rodésia, foi um Protetorado Britânico e tinha um dos regimes mais racistas e quando teve independência praticamente todos os brancos foram embora.
Colocamos as famosas “pedrinhas” em cada Túmulo, rezamos um Kadidsh (Sagrado em Aramaico), que é uma reza dos enlutados e fotografamos cada lápide. https://en.wikipedia.org/wiki/Kaddish
Dado interessante: Stanley Fischer é um economista formado na prestigiosa London School of Economics, e Doutorado no MIT; trabalhou no FMI onde lidava com os assuntos do Brasil. Depois foi Presidente do Banco Central de Israel e responsável por controlar a inf lação deste país. Posteriormente foi o Vice do Fed Americano durante o governo do Presidente Obama. Pois bem, ele nasceu no que é a atual Zâmbia. https://en.wikipedia.org/wiki/Stanley_Fischer
Quando saímos do cemitério, perguntei ao Ranger: “Existe uma sinagoga aqui?” Ele respondeu que sim e nos levou a ela. Não foi uma surpresa descobrir que a mesma foi transformada em uma Igreja Cristã. Afinal cultuamos o mesmo D’us.
Shangai – China
Em 2014 Jussara + Beto Moritz e a Mais-Mais e eu fomos fazer uma linda viagem a China. Em Shangai tivemos a oportunidade de fazer um Tour sobre a História Judaica de Shangai com um Israelense lá radicado, Dvir Bar-Gal. http://www.shanghai-jews.com/3.htm
Houveram 3 levas de emigração judaica para esta cidade:
- Há cerca de 150 anos, judeus de Bagdá e da India (algumas destas familias são os Sassoon , Kadoorie e Hardoon emigraram para Shangai (durante a Guerra do Ópio) e lá ficaram muito ricos, se tornando inclusive da maior parte dos lindos edifícios da “Bund” https://en.wikipedia.org/wiki/The_Bund
- Há cerca de 100 anos jovens judeus Russos em fuga dos Pogroms e do alistamento militar compulsório fugiram para onde pudessem, vários como meu querido Tio Isaac Pistrak (pai da Paulina) foram para Shangai
- Até a Revolução Comunista, Shangai era uma cidade internacional livre (tinha comunidades Americana, Francesa e Inglesa) e portanto não precisava de visto para entrar. Vários Judeus que conseguiram fugir do Nazismo se refugiaram lá (a mãe da minha querida amiga Monica morou por cerca de 10 anos lá). Quando o Japão conquistou esta região, a pedido dos Nazistas (lembrem-se Alemanha, Itália e Japão eram aliados e faziam parte do “Eixo”), enclausuraram os judeus num Gueto. Ao final da guerra se estima que haviam 24.000 judeus nesta cidade (apenas como comparação em São Paulo hoje vivem cerca de 60.000 judeus)
http://www.chinajewish.org/SJC/Jhistory.htm
Com a tomada do poder pelos comunistas todos que puderam fugiram de lá. Os chineses não tem por hábito preservar o passado dos outros e quase tudo da existencia judaica em Shangai se perdeu. No entanto o Dvir, tem por habito resgatar pedras tumulares judaicas que acabaram servindo para outros fins entre eles serviam de “pedra de lavar roupa”, usando as ranhuras dos caracteres esculpidos na pedra para melhor lavar as roupas. https://vosizneias.com/2011/06/19/shanghai-china-jewish-tombstones-in-the-middle-of-a-chinese-cabbage-field/
Gondar – Etiópia.
https://en.wikipedia.org/wiki/History_of_the_Jews_in_Ethiopia
A história dos judeus na Etiópia é muito antiga e a crença é que a Rainha de Saba teve um filho com o Rei Salomão (reinou de 970 a 931 AC) chamado Menelek. https://en.wikipedia.org/wiki/Menelik_I, que foi criado como judeu por sua mãe. Quando tinha cerca de 20 anos, foi visitar seu pai em Jerusalém e retornou a Etiópia com um grande grupo de Israelitas.
Esta população judaica se manteve isolada e teve seus próprios percalços, com perseguições e conversões forçadas (no texto sobre a Páscoa na Etiópia explico melhor a cristianização deste país africano).
A Etiópia é composta de mais de 80 grupos étnicos (sendo os Oromos o grupo principal, compondo cerca de 35% da população). Quando a Monarquia foi deposta em 1974 o regime ditatorial comunista liderado pelo Coronel Mengistu quis fazer uma espécie de homogeneização das culturas, como forma de criar uma identidade nacional.
Neste processo os judeus sofreram mais perseguições através de varias artimanhas uma série de operações são conduzidas pelo governo israelense para retirar os judeus da Etiópia, por exemplo:
- Criaram um resort de mergulho falso no Sudão e de lá resgataram estes refugiados. Há um filme na Netflix que relata este episódio: https://pt.wikipedia.org/wiki/The_Red_Sea_Diving_Resort
- Nos anos 1990 operações de resgate foram conduzidas, a mais famosa a “Operação Salomão” em 36 horas retiraram mais de 14.000 pessoas da Etiópia https://en.wikipedia.org/wiki/Operation_Solomon
Em um destes voos 1088 (mil e oitenta e oito) pessoas foram resgatadas e 2 crianças nasceram durante o mesmo.
A grande maioria do Judeus Etíopes moravam na região de Gondar que fica ao norte
Quando partiram para Israel as suas vilas e construções ficaram abandonadas.
Em 2019 meus primos Ruth e Jefferson, Ariel, a Mais-Mais e eu viajamos para presenciar a cerimonia da Páscoa Etíope. Nesta viagem também fomos a Gondar conhecer os resquícios da comunidade judaica (um comentário: é quase inacreditável o nível de pobreza e como eram primitivos, nenhuma modernidade: agua, esgoto, energia elétrica, gás, banheiros, etc.)
Ao terminar a visita perguntei ao Getaw, nosso guia onde era o cemitério judaico e ele respondeu que não existia. Pensei comigo mesmo, IMPOSSÍVEL, não existe comunidade judaica com alguma organização e após muitas perguntas e algumas gorjetas, acabamos encontrando o mesmo
Belmonte – Portugal:
Em 1496, D. Manuel, O Venturoso, Rei de Portugal, fez uma conversão forçada dos Judeus que viviam em suas terras e os impediu de saírem deste território (Isabel de Castela e Fernão de Aragão exigiam que para sua filha se casasse com D. Manuel que Portugal fosse “Livre de Judeus”
Muitos “Cristão Novos” vieram para o Brasil, vários conseguiram fugir, uma boa parte aceitou a conversão. Uma pequena parte continuou praticando o judaísmo de forma escondida, eram os “Cripto-Judeus”. https://pt.wikipedia.org/wiki/Criptojuda%C3%ADsmo
A Inquisição só terminou em Portugal em 1821 (quando da volta da Familia Real e a transformação em uma Monarquia constitucional). No entanto algumas destas comunidades (em especial no norte, vivendo em aldeias) permaneceram praticando esta forma oculta de judaísmo.
Em 1925, um Judeu Samuel Schwarz, um Engenheiro judeu Polonês trabalhando em minas (região é rica em Tungstênio) na Cidade de Belmonte (de onde veio Pedro Alvares Cabral) identificou estes Cripto-judeus, que depois de um certo debate (semelhante ao ocorrido com os Judeus Etíopes) pelo Rabinato de Israel, forma reconhecidos como Judeus que nunca deixaram sua fé. Esta linda história esta narrada no filme Sefarad (uma curiosidade: uma daquelas famílias judias de Shangai, os Kadoorie, aparece no filme quando fazem uma significante doação para a construção da Sinagoga do Porto). https://www.timesofisrael.com/tiny-portuguese-jewish-community-makes-a-1-2-million-film-about-its-history/
Em Setembro de 2019, junto com os casais: Fortuna e Paulo Proushan, Nora e Ilko Minev a Mais-Mais e eu fomos conhecer Belmonte, que é imperdível
Ao sairmos de Belmonte, pergunto a nossa guia, Marisa Mouta, que esta na foto acima, onde fica o Cemitério Judaico e a resposta, vocês ja sabem. Ela diz: não tem cemitério judaico. Não vou repetir a mesma história e obviamente se estou a escrever este texto é porque ele existe.
O acesso ao mesmo é através de um cemitério Católico
Os túmulos são parecidos a qualquer outro túmulo judaico que conhecemos (incluindo as “pedrinhas”).
O interessante desta vez eram as lápides Católicas, pois em quase todas, alem da simbologia Cristã havia uma imponente Estrela de David (como dizendo, não tenho certeza quem é que manda de verdade no Reino dos Céus, então é melhor estar de bem com todos)
Se vocês repararem com cuidado, vão ver que os sobrenomes são os mesmos dos dois lados
Amazonia:
http://www.comiteisraelita.com.br/informativo/index/ver-noticia/idNoticia/683/idInformativo/71/
Minha jornada profissional me permitiu conhecer e se tornar amigo de pessoas muito especiais, uma destas é a família Benchimol (e seus agregados) de quem a Mais-Mais e eu nos transformamos em grandes amigos. É um privilégio e um prazer desfrutar da amizade deles.
O falecido Professor Samuel Benchimol (que não tive a honra de conhecer) entre muitas outras coisas que fez, publicou um livro chamado “Eretz Amazonia” (Eretz significa “Terra” em hebraico, mas em geral quando um judeu fala em Eretz esta se referindo a “Terra de Israel”). Assim quando o Professor Samuel escreve este livro esta possivelmente dizendo que a Amazonia foi uma espécie de “Terra Prometida” (em especial aos Judeus Marroquinos que para lá emigraram a mais de 200 anos) https://www.amazon.com.br/Eretz-Amazonia-Os-Judeus-Na/dp/8586512214
Nunca estive nestes locais, mas a Anne Benchimol é uma “caçadora de Túmulos Judaicos” perdidos na Amazonia e me cedeu estas fotos
Seguramente muitas outras histórias como esta existem por este mundo afora e oxalá em breve eu possa voltar a explorar mais este mundo maravilhoso e desfrutar da espetacular experiencia de aprender algo novo.
Abraços virtuais a todos
jairo
Obs: para quem não sabe a Mais-Mais é a Luci, paixão da minha vida, com quem sou casado há quase 35 anos e com quem temos dois filhos para ninguém por defeito: Gabriel (casado com a Vicky) e o Ariel