Eu sou um médico clinico as antigas. Cuido dos mesmos pacientes há décadas (ainda cuido da familia do primeiro paciente que me procurou, quando eu ainda me especializava em Boston).
Acompanho estes pacientes nas boas e más experiencias, quando nascem, quando casam, quando morrem e agora quando eles são infectados por COVID-19.
Em fevereiro alguns pacientes meus começaram a ter esta infecção por COVID-19 e alguns deles de forma bem grave. Foram internados, o quadro clinico (em especial respiratório) começou a deteriorar, apesar de fazer tudo o que estava no “manual” (apesar de que o “manual” mudava quase todo o dia): cloroquina, azitromicina, heparina.
Quando fomos passar o final de ano em Paraty (nossa casa fica num local isolado) entre os livro que eu havia selecionado, estava um intitulado: “Cytokines Storm Syndrome”, o qual eu dei apenas uma “sapeada”.
Tentando entender o que ocorria com estes pacientes me veio a lembrança do livro, que aí verdadeiramente “devorei” e passei a entender o que estava ocorrendo com estes pacientes: uma Tempestade de Citocinas.
Citocinas são mediadores imunológicos envolvidos em inflamações e que em certas circunstancias (traumas, câncer, algumas infecções) podem ter uma liberação tão intensa que levam a uma deterioração de vários órgãos (pulmões, rins, figado) e sistemas (coagulação) .
Consultei vários colegas sobre isto (tenho sempre de agradecer aos queridos Daniel Feldman e Nelson Hamerschlak entre outros) e acabei entrando em contato com um dos autores do referido livro.
Dr. Edward Behrens é um reumatologista infantil, que confirmou minhas suspeitas e me orientou caminhos de como poder tratar isto, no entanto ele mesmo não tinha visto nenhum caso (lembrem-se que esta não é uma afecção de crianças) e me encaminhou para o Dr. Roberto Caricchio, um médico ítalo-americano (milanês que mora na Philadelphia), que estava vendo vários casos de COVID-19 com esta tempestade de citocinas.
Este Dr. Caricchio é o meu mais novo “BFF”. Foi como se ele pegasse na minha mão e me ensinasse a cozinhar e me orientou passo a passo de como usar um bloqueador endovenoso da inflamação (de forma simples trata-se de um anticorpo, desenhado em laboratório, que bloqueia o receptor onde uma destas citocinas se ligam e com isto grande parte desta atividade inflamatória deixa de ocorrer). Optei usar um medicamento já existente no mercado há algum tempo, com registro na ANVISA, de aplicação relativamente simples e com um bom perfil de segurança.
No Einstein, à época, os pacientes que iam para Ventilação Mecânica ficavam em média por 14 dias. O primeiro paciente em que apliquei este remédio ficou 7 dias, depois outros 2 ficaram 6 e 5 dias e em 4 pacientes creio termos evitado que evoluíssem para ventilação mecânica.
Dentro do ambiente Einstein este tratamento já foi utilizado em pelo menos 15 pacientes, com excelentes resultados e tive a oportunidade de passar a “receita do bolo” para vários colegas em regiões diferentes do Brasil. Uma delas é uma gestante de 25 semanas no Maranhão, que ficou em ventilação mecanica por 31 dias e saiu da UTI ontem.
Esta abordagem abre uma nova perspectiva de tratamento desta forma tão complicada da COVID-19 e vários outros medicamentos, que compartilham este mecanismo de ação estão sendo testados.
Pessoalmente eu acredito que esta abordagem possa colaborar naquilo que chamei de: “Achatamento da Curva de Consumo de Insumos”, isto é, podemos “economizar” na utilização de recursos (UTI, respiradores, dialise, etc.) controlando o processo inflamatório precocemente.
Me acompanhem num raciocínio simples:
Nos 3 casos mais graves eles teriam usado 42 dias de Ventilação Mecânica, mas usaram só 18 dias (devolvemos ao sistema 24 dias de ventiladores)
Nos 4 casos que não precisaram de respirador, “devolvemos” 56 dias de aparelhos.
Este medicamento não é barato (um tratamento deve custar em torno de R$ 4.000,00), mas é bem mais barato do que um dia de UTI, isto é, em qualquer analise Custo-Beneficio ele mais que se paga.
É importante ressaltar que se trata de um tratamento experimental, que vem sido utilizado dentro de um protocolo submetido ao CONEP.
Sei que deixei vocês curiosos: o nome deste remédio é TOCILIZUMABE
Por favor, se protejam pois para uma parte significante dos casos esta é uma doença grave
Jairo bárbaro o seu texto super esclarecedor. Obrigado. Como sempre é muito bom ler tudo o que você escreve. Bjks
Muito interessante..parabens pela sua ” curiosidade”