Apenas para situar vocês, quem eu sou e de onde venho:
Minha família materna veio da Ucrânia (mas com alguma frequência esta região trocava de “dono” e as vezes pode ser referida com Rússia ou Bessarabia) . Seu sobrenome original era “Pfeffer” (Pimenta), mas por ser muito germânico, tiraram o “P” e ficou Feffer.
Segundo relato que minha mãe deixou por escrito, meu bisavô Simson Feffer (1874 -1956),;
1. Era um homem culto (tinha estudado em uma Yeshiva: Colégio judaico ortodoxo)
2. Veio para o Brasil porque tinha um Tio e um primo que moravam em Petrópolis) em 1904 (o que teria sido logo depois do Primeiro Pogrom de Kishnev) . https://pt.wikipedia.org/wiki/Pogrom_de_Kishinev
3. Deixou minha Bisavó (Bertha) e 3 filhos (Minha Avó Regina; Meu Tio-Avô Leon e minha Tia-Avó Maria, a melhor cozinheira da família: ainda tenho saudades da cenoura cozida com mel e uvas passas que ela fazia)
Tinha como ofício ser mascate pelo interior do Mato Grosso (à época havia só um Estado do Mato Grosso) em Lombo de burro, vendendo papel, envelopes, tinta (vejam que o ofício de venda de papel que o lado proeminente de minha família tem já estava no sangue. Também escrevia cartas para aqueles que não sabiam ler e escrever (Vocês se lembram do filme “Central do Brasil”com a Fernanda Montenegro?)
Em 1906 Simpson retorna a Europa, mas não se adapta mais ao frio da Ucrânia, e volta ao Brasil e deixa minha Bisavó gravida de um quarto filho (David)
Em algum momento Bertha vem ao Brasil (lembrem-se estamos falando de cerca de 1910, onde esta viagem levaria muito tempo) em busca de seu marido.
Bertha e Simpson voltam para a “Russia” (afinal a Ucrânia era parte do Império Russo), mas Simpson tinha “Shpilkes” (no Yiddish: Fagulhas na Bunda) em 1912 volta ao Brasil, com a promessa de enviar dinheiro para a família se mudar para o Brasil.
Simpson voltou ao seu ofício de Mascate trabalhava lado a lado com o pai do futuro Presidente Jânio Quadros.
Há um provérbio Yiddish que diz: “Mann Tracht, und Gott Lacht”: O Homem planeja e D’us ri. Obviamente não entrou no planejamento deles a eclosão da Grande Guerra (era assim que a Primeira Guerra Mundial era conhecida, antes de ocorrer a Segunda) e a Revolução Russa
Há família ficou desamparada. Regina (minha avó), que era culta, pois tinha feito “Gimnasio” (à época haviam os “Numerus Clausus”, que permitiam só 10% dos judeus irem para a escola) trabalhava como Professora; Meu Tio-avô Leon em uma cooperativa distribuindo alimentos (e aproveitava os restos para alimentar a família); Minha Tia-Avó Maria, trabalhava como Enfermeira.
https://www.jewishvirtuallibrary.org/numerus-clausus
Num destes episódios tristes de guerra, a cidade onde moravam (há duvidas se era Kolki ou Rovno) foi incendiada e tiveram de fugir a pé. Meu Tio-Avô Leon foi ferido a bala na virilha (com importante perda de sangue). Minha Tris-Avó (Chaia Feiga) tinha câncer e já não conseguia caminhar.
Moyses Schechtmann (que viria ser meu avô) passava numa charrete e os levou para uma fazenda onde sua família trabalhava.
Moyses se apaixonou por minha Avó Regina (que por sua vez era enamorada de um poeta). Bertha a “induziu” a se casar com meu avô (ela sempre cobrou da família que se sacrificou pelo bem de todos. Depois que meu Avô faleceu ela se casou mais duas vezes)
A vinda deles ao Basil foi uma epopéia, a Europa em Guerra, Pogroms, Revolução Russa
Moyses alugou uma casa na cidade Lutsk para acomodar a família. Tapou as janelas com tábuas para não serem vistos e pediu para ninguém sair. Óbvio que não deu certo. Meu Tio-Avô Leon saiu e foi preso por soldados russos e levado a trabalhar em uma mina de carvão. A Bisavó Bertha ficou desesperada. O santo do meu avô Moyses conseguiu “resgatá-lo”as custas de algumas moedas de ouro que tinha escondido.
Simpson manda uma carta para a Sinagoga para localizarem a família (que já havia deixado a sua cidade). Como não havia internet na época, parece que em cada sinagoga da região se postava um aviso de que haveria uma correspondência (como se fosse uma “Posta Restante”)
Assim a família fica sabendo que havia uma carta para eles em uma Sinagoga de Varsóvia. Lá vão eles dentro de toda aquela confusão até chegarem em Varsóvia e na Carta dizia, que a “Carta de Chamada” , documento oficial que permitia a imigração legal para o Brasil (onde alguém ja no Brasil, seria o responsável legal e econômico do novo imigrante) estava no consulado brasileiro em Paris (como se fosse fácil ir de Varsóvia para lá).
Levaram um bom tempo para chegar à França
Lá chegando tiveram algumas boas surpresas:
- A Carta de Chamada estava lá
- O cônsul lhes deu os documentos.
- Passado tanto tempo e uma Guerra, ainda tinham dinheiro para comprar as passagens. Segundo o relato de minha mãe, foi meu Avô Moyses (que tinha um pouco de ouro e de diamantes costurados na roupa) que sustentou a família neste periodo e pagou pela viagem
A família relatava pelo menos duas interessantes histórias por sua passagem por Paris:
- Eles vinham de um vilarejo (Shtetl em Yiddish), quando foram atravessar a Av de Champs Elysée, ficaram impressionados com a largura da mesma e tomaram um taxi para atravessar a mesma.
- Segundo o relato o Tio-Avô David (ele era muito querido e morreu jovem de apendicite, antes do surgimento da Penicilina) era uma criança muito bonita e a Bisavó Bertha tinha medo que ele fosse roubado. Pois bem ela amarrou um cordão unindo o pulso dela, com o dele
A família embarcou em 1920 (vejam quanto tempo levou esta peripécia) para o Brazil (na época se escrevia com “Z”) num navio Português chamado “Traz-os-Montes” . No mesmo navio veio tb o Sr. Adolpho Bloch que fundou o Grupo Manchete (importante revista de sua época e também um canal de Tv)
Este navio fazia a “Rota de Ouro e de Prata” Saía de Hamburgo, parava no Le Havre, depois Lisboa, Rio de Janeiro, Santos e Buenos Aires. Era um antigo navio alemão, que no começo da Grande Guerra estava em Porto Português e junto com muitos outros foram “apropriados”pelo governo, para garantir o abastecimento de Portugal durante o conflito
Ao chegarem em Santos Simpson os esperava no Porto e viveram felizes para sempre. Infelizmente isto não é um Conto de Fadas.
Os filhos de Simpson (Regina, Leon, Maria e David) foram criados sem o pai e ao chegarem ao Brasil este resolve assumir um papel que nunca exerceu e a relação deteriou.
Minha avó já era casada e foi menos afetada. Tia Maria resolveu voltar para a Europa e foi-se para o Rio de Janeiro para embarcar ao seu destino. Mas seu destino foi conhecer o meu querido Tio-Avô Isaac Pistrak, lá se casou e teve a minha adorada Tia Paulina (foi uma segunda mãe para mim)
Não sei como meu Tio-Avô Leon lidou com isto, mas creio que ele além ser homem, logo se tornou independente do ponto de vista financeiro e seguiu seu rumo.
O Tio-Avô David parece ter sofrido mais e a ruptura foi mais intensa (nunca mais se falaram) e saiu da casa dos pais. Sua irmã Maria, após alguns anos veio com sua família para São Paulo, e David foi morar com ela. Quando David esta próximo a morte, Simpson foi visitá-lo e este teria dito algo do tipo: “Se meu pai veio me ver, é porque vou morrer”. David apresentou meus pais numa festa no antigo Circulo Israelita (Club social e recreativo da comunidade judaica de SP). Em sua homenagem na geração seguinte alguns de seus sobrinhos neto receberam seu nome (e segundo me consta, meu Tio Zezinho ficou com seu carro)
A relação de Simpson com os netos e bisnetos foi muito melhor (cheguei a conviver com ele) e o seu antigo Motorista (Sr. Orlando) serviu a família Pistrak por décadas.
Simpson tinha uma loja: Tipografia e Papelaria Formosa (na R. Formosa no Centro Velho de SP) fundada em 1927, que vendia alem de coisas de papel, impressos oficiais do Estado (inúmeros tipos de formulários que um país cartorial adora, mas em especial na área contábil). Foi mantido na família até há cerca de 20 anos.
Da minha Bisavó Materna Bertha Brandes Feffer (1880 – 1954) sei pouco, pois já havia falecido quando eu nasci. Era filha única de David e Chaja Feiga (Feiga é Fanny em Yiddish) Braines.
Ela seria descendente de um importante Rabino Meir Baal HaNes, que esta enterrado as margens do Mar da Galiléia, em Israel (é uma tradição de família de quando vamos a Israel temos de visitar seu túmulo). Conta a tradição que ele foi enterrado em pé (isto mesmo), pois quando o Messias (em hebraico Maschiach) chegar, ele quer estar em pé aguardando por ele.
https://en.wikipedia.org/wiki/Rabbi_Meir
Meu avô Moyses (faleceu alguns meses antes de eu nascer) era um homem muito empreendedor e inteligente.
Em 1924, quando ocorreu a Revolta Paulista de 1924 a família ja estava bem acomodada e próspera. No entanto, com medo da revolta (e a lembrança do recém ocorrido na Europa) fugiram de São Paulo de qualquer jeito (deixando a casa aberta) e foram se refugiar em Campinas, onde tinham alguns parentes. A revolução durou algumas semanas. Ao voltarem para São Paulo, Surpresa: estava tudo intacto como deixaram (outros tempos).
https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolta_Paulista_de_1924
Em 1929, no “Crash” da Bolsa de Nova Iorque, ele já havia se refeito financeiramente e novamente “quebrou” (lembram-se “Mann Tracht und Gott Lacht)
Moyses teve vários negócios, um deles uma loja de Pianos em Sociedade com o Sr. Israel Hamerschlak, pai do meu querido amigo, colega e Compadre Nelson.
No final de sua vida tinha como principal atividade uma Tipografia, que entre outras coisas fazia o rótulo da Água Lyndoia e do Sapólio (a maior parte de vocês nem deve saber o que é isto: era uma espécie de sabão em barra, mais grosseiro que se usava para limpeza mais pesada) da Marca Radium
Ele nos deixou em 1954. Sua família sofria de transtorno bipolar
Regina e Moysés tiveram três filhos: Fanny (minha mãe); José e Sarah, mas na família todos eram chamados no diminutivo: Fannyzinha (ou Faniska); Zezinho, Sarinha; Manoelzinho e eu obviamente jairinho.
Zezinho tornou-se um industrial (adivinhem em qual ramo: Papel. Também tinha uma gráfica. Casou-se com minha Tia Alice e tiveram três filhos: Anette, Judy e Martin
Sarinha, dentista se casou como Saulzinho, Engenheiro, que além de muito legal era devotado a Sarinha. Foram um dos casais mais harmoniosos que conheci. Tiveram dois filhos, Mauro (que era afilhado de meus pais) e a Ruth minha grande amiga (casou como Jefferson, que muito me ajuda na minha vida pessoal)
Regina faleceu em 1989, devido a complicações de uma má sucedida cirurgia de um câncer intestinal
Sei pouco da história do resto da família de meu Avô Moysés. Ele também trouxe seus familiares para o Brasil e tinha 5 irmãos. Dois (Abrão e Manys) faleceram solteiros; uma (Eliza) emigrou para Israel e interessantemente por um site de testes genéticos (23&Me) eu acabei localizando um neto dela (que hoje mora em Los Angeles); Duas se casaram em São Paulo, mas tenho pouco contato.
Regina após ficar viúva voltou a se casar duas vezes:
- Isidoro Chansky: Eram Concunhados (Regina irmã de Leon, se casou com o viúvo da irmã de Tia Antonieta) e ambos ficaram viúvos (A mãe do Isidoro, Sra. Chanse era filha de meu Tris-Avô paterno: Nathan Tabacow). Eu o chamava de Tio e sentávamos lado a lado na Sinagoga Beth-El. Foi ele que me ensinou o pouco que sei de rezar. Era uma homem muito bondoso e afetivo. Seu casamento não deu certo (não sei bem porque)
- Julio Grunfeld: Lá pelas tantas Regina resolveu ir morar em Israel (ela também tinha Shpilkes). Foi de Navio, eu me lembro, fomos ao Porto de Santos para ela embarcar no navio Theodor Herzl. Não me lembro de quanto tempo ficou por lá, mas de repente ficamos sabendo que ela havia se casado novamente. Nunca mais deixaram ela viajar sozinha. Eles vieram morar no Brasil e foram bastante felizes até que Julio faleceu de causas naturais.
Regina sempre foi moderna e atualizada, falava de politica, economia e tantos outros assuntos. Era péssima cozinheira e os almoços na casa dela, pelo aspecto gastronômico eram um castigo: Frango frio, com salada russa. Durante muitos anos (mas isto há cerca de 60 anos atrás) ela morava numa espécie de Flat, pertencente as Lojas Mesbla, onde havia serviços de hotelaria em um apartamento privado.
Após alguns anos ela construiu uma casa térrea, bem moderna, com iluminação zenital) na Al. Gabriel Monteiro da Silva (ao lado de onde morava minha Tia Sarinha. Projeto de David Libeskind (o mesmo que projetou o Conjunto Nacional, na Av. Paulista)
Regina era muito divertida, não “comprava”brigas (o que não é comum na família), era muito gregária.
Minha avó nunca mais quis pensar em voltar a Russia (tinha medo que os Comunistas iam pegar eles outra vez) e nem falar o idioma
Faleceu em 1989
Bom Dia,Jairo…muito interessante essas lembranças de familia. Fiquei com uma curiosidade..Tive uma tia, Hedy Lowy que abriu uma escolinha Montessori em SP. E sabia pelos relatos dela que os alunos eram Feffer,Mindlin,Lafer… vc sabe alguma sobre isso ??
Cara Monica,
Obrigado por estar seguindo. Não sei a resposta. Mas sei dizer:
1) Feffer: há só um núcleo familiar que carrega este sobrenome e todos são descendentes do meu Tio-Avô Leon (e de seu único filho home, Max). Lembro que David (o da minha geração e não meu Tio-Avô) estudou numa Escola no Pacaembu (acho que se chamava Escola Experimental do Pacaembu, mas não sei se segui a linha Montessori)
2) Mindlin:
A) Na minha família se dizia que a origem desta nome é do pré nome de um deles chamados Mendel, cinjo diminutivo teria Mendele e dai a corrupção para Mindlin
B) Existem vários núcleos desta família e um deles era aparentado com a Sra. Antonieta Teperman Feffer (esposa de meu Tio-Avô)
C) Uma prima de meu pai (Esther Coulicoff) se casou com Arnaldo Ephim Mindlin (que não é do núcleo ligado a família Teperman)
3) Lafer:
A) Não tenho nenhum parentesco com eles
B) Tb tem vários núcleos coim origens distinta. Um deles é ligado a Família Klabin
Obrigada pela sua tao completa resposta…mas foi apenas uma curiosidade.. seria divertido imaginar que de alguma forma nossas historias poderia estar ligadas
Um abraço
Caro amigo Jairo,
Tenho tido enorme prazer em seguir o seu blog, alias, o primeiro e único que jamais segui. A história de sua mãe e família é emocionante e inspiradora. Muito obrigado por “share”. Forte abraço e gratidão deste seu paciente e amigo de 30 anos que te respeita e admira muito.
Sergio Victor Milred
Sergio querido,
Sua mensagem me emocionou. Como vc bem colocou nos conhecemos a décadas. Compartilhamos histórias e vivencias.
Obrigado
Querido amigo e primo Jairo,
Emocionada e agradecida pelo relato detalhado, fotos e o carinho de sempre.
Que ideia maravilhosa e generosa compartilhar tantas memórias, historias, impressões e experiências; todo o blog está sensacional, como você.
Adorei! Mostly kind!!
Ruth
Ruth querida (prima e amiga),
Vindo de você este elogio tem significado maior, pois me conhece como poucos.
Fui privilegiado com uma excelente memória (as vezes preferiria não me lembrar de tantas coisas) e tinha um compromisso com meus filhos (e comigo mesmo) de por por escrito estas idéias.
Esta pandemia pelo menos serviu para alguma coisa.
Se você tiver mais informações de família me passe (por exemplo, não consigo me lembrar do sobrenome do 3º esposo de Regina, me lembro de ser Julio, mas só isto)
bjs mil
jairo
Olá Jairo,
Muito legal sua pagina.
Tenho um álbum de fotos dos formandos de 1941 da turma de contabilidade da Escola de Comércio Tiradentes, e tem uma foto da Sra. Paulina Rabinovitch, que acredito ser da sua tia. Enfim, se houver interesse entre em contato.