Lama Gangchen (Rinponche significa reencarnado) nasceu, na pequena aldeia de Drakshu, no Tibete em 1941, com 5 anos de idade foi reconhecido como a reencarnação de um Lama curador e foi entronizado no Monastério Gangchen Choepeling.

Fez uma extensa formação (em tempo recorde) em várias áreas, como: Medicina; Astrologia; Meditação e Filosofia, nas duas principais Universidades Monásticas do Tibete: Sera e Tashi Lhunpo.

Teve de fugir do Tibete, em 1963, após a invasão chinesa, morou e completou seus estudos, por 7 anos, na India. Após sua graduação, dedicou-se as comunidades Tibetanas no Nepal e sul da India, onde curou muitas pessoas.

Em 1982, visitou a Europa pela primeira vez e estabeleceu seu primeiro centro europeu, na ilha de Lesbos, na Grécia. Desde então tornou-se um disseminador dos ensinamentos Budistas pelo mundo, praticando curas, ensinando e promovendo a paz. Durante estes anos, ele realizou inúmeras peregrinações, por todo o mundo, em alguns dos locais mais importantes da tradição Budista, mas também aos locais sagrados de outras denominações religiosas e espirituais.

Em 1986, na sua primeira visita a São Paulo, Lama Gangchen, reconheceu no jovem Michel, com 5 anos de idade (filho de mãe Presbiteriana e pai Judeu) como sendo a reencarnação do Lama Drubchok Gyawal Sandrup (um Lama do 15o Século, época do primeiro Dalai Lama). Michel seguiu os ensinamentos de Lama Gangchen e hoje é o conhecido e respeitado Lama Michel.

Em 1988 Lama abriu seu primeiro centro de Dharma fora da Ásia, em São Paulo, e no ano seguinte um em Milão, Italia. Ele fundou inúmeros centros de Dharma em todo mundo. Em 1992 fundou a “Lama Gangchen World Peace Foundation” (uma ONG filiada à ONU).

Minha relação Pessoal com o Lama Gangchen:

Em Março de 2013 tive o imenso prazer de atender pela primeira vez o Lama Gangchen, então com 71 anos.

Diante de mim esta este Monge Budista, vestido com suas roupas tradicionais: Donka; Chogu (manto amarelo) ; Shamtab e o Zen (manto vermelho), acompanhado de um numero grande de seguidores (todos ocidentais, mas a maior parte vestida com as mesmas roupas), com um sorriso que irradiava uma felicidade e uma paz interna que fazia qualquer um se sentir bem.

Me sinto como naquele maravilhoso filme “Lost in Translation”, com Bill Murray e Scarlett Johansson).

Pergunto uma coisa, ele responde ao tradutor de forma bem breve, mas a tradução é imensa, e vice versa. A resposta dele é longa e a versão do tradutor é super longa.

Ficava sempre com a sensação de estar numa “pratical joke”.

Somos de cultura e crenças diferentes. Por exemplo: Pergunto que vacinas ele ja tomou na vida e ele me responde: O que são vacinas?

Seus hábitos (alimentação, sono, atividades, etc.) são diferentes dos nossos. Não quer tomar nossos medicamentos, fazer exames é uma aventura.

A sensação que eu tinha era que seus seguidores estavam preocupados com seu envelhecer e queriam saber se, pela perspectiva da medicina ocidental ele estava bem (para que sua estadia entre nós fosse a mais longa possível). Na minha impressão, ele não querendo ofender seus discípulos, aceitou, mas quiz um médico bem longe de onde ele morava.

Quando terminei meu primeiro encontro com ele, relatei que em uma peça de Herman Hesse, há uma cena de fundo, que dura o tempo todo, onde um Ocidental e um Tibetano tentam se cumprimentar:

Um estende a mão e o outro se inclina.

A seguir os papéis se invertem: o que estendeu a mão se curva e o que se curvou, obviamente estende a mão, e assim, como um certo simbolismo, indicando que estes dois mundos (ocidente e oriente) nunca se encontram.

Nos despedimos, e eu me curvei e ele estendeu a mão e ambos caímos em gargalhada.

Sempre recebia um presente dele, com algum significado Budista, vários deles estão no consultório.

A cada 5 anos tenho um habito de levar a Mais-Mais (para quem não conhece, é assim que chamo a Luci, o amor da minha vida) para uma viagem surpresa (ela não sabe o destino).

A ultima destas foi para a Indonésia, e a derradeira parada foi Borobudur (o maior templo Budista do Mundo), que é simplesmente magnifico.

O primeiro paciente que atendo após esta viagem espetacular é o querido Lama. Ele me da de presente um livro, que ele escreveu, explicando o significado de cada um dos muitos painéis que compõem este lindo monumento (vocês acreditam em coincidências?).

Ao final de cada consulta, fazíamos uma espécie de brincadeira, ele vestia meu jaleco e eu o seu Zen vermelho e trocava-mos de papel, e ele virava meu médico.

Parecido com que o Dr. Bernard Lown (inventor do desfibrilador e Premio Nobel da Paz) escreve em seu maravilhoso livro: “The Lost Art of Healing” sobre quando ele cuidou do Lubavitcher Rebe, quando este teve um infarte do miocárdio.

Ao receber alta este importante Rabino, disse ao Dr. Lown: “Agora precisamos cuidar de sua alma”. Assim eu me sentia ao final de cada consulta: Ele não veio passar em consulta comigo, ele veio cuidar de mim.

A cada encontro seus discípulos, acho que por gentileza, sempre me diziam, que a cada vez que ele vinha a São Paulo, ele perguntava sobre seu médico. Eu que não sou de muitas vaidades, com isto eu ficava realmente envaidecido.

Sou muito grato por ter podido conhece-lo e ter me tornado (eu acho) uma pessoa melhor.

Como um Bodhisatva (um ser Iluminado) chamou a si os males desta doença e o seu corpo físico não suportou.

Stalin disse certa feita, que a morte de uma pessoa é uma tragédia, mas a de um milhão é apenas uma estatística. Creio que isto se aplica a esta “praga”, onde os muitos mortos se tornam uma estatística. Mas quando temos uma pessoa conhecida, com nome e sobrenome tudo fica diferente.

11 Replies to “Lama Gangchen Rinponche 1941-2020 (Lama Shresta Thinle Yarpel)”

  1. Jairo,
    Entro pela primeira vez e parece que jã me sinto em casa. Só posso agradecer o prazer de ler e aprender com suas histórias aparentemente tão singelas, mas tão profundas, e humanas. Escreva mais e sempre!

  2. Experiência maravilhosa Dr.
    Que privilégio, me deixa feliz que tenha desfrutado de cada encontro. Tempo eh preciso quando valorizado.
    Conte mais ✨
    Abraços
    Sua paciente e leitora animada.
    Jake

    1. Jake querida,

      Obrigado pelo comentário.
      A vida nos da enormes oportunidades de conhecermos pessoa, lugares e experiências. Se tivermos o coração aberto para usufruí-las, sairemos melhor delas do que entramos.
      Bjs
      jairo

  3. Jairo querido, a sua sensibilidade e sabedoria no encontro com o Lama Gangchen Rinpoche me emociona. Tive o privilégio de acompanhar todos os encontros e Rinpoche ficava sempre muito feliz de te ver. E quando chegava no nosso centro budista contava a todos que tinha tido consulta com você e que a saúde dele estava boa. “My doctor” como Ele dizia. Ele confiava em você.

    Sim, você foi profundamente tocado pelo Bodhisattva que por onde passou e com quem quer que tenha se encontrado deixou uma profunda marca, uma tatuagem no fundo da alma, para cada um e cada uma se tornarem pessoas melhores e alcançarem a verdadeira paz.

    Desejo um 2021 com paz!

    Forte abraço direto de Albagnano, casa de Lama Gangchen

    Daniel

    1. Dani querido,

      Eu só tive a oportunidade de cruzar meu caminho com o Bodhisattva graças a você e sua linda família. Esta é uma das enormes vantagens da minha profissão> poder se relacionar com a alma de pessoas muito especiais. Saint Exupéry escreveu no “Pequeno Príncipe” (que não é um livro para quem faz concurso de Miss): “O Essencial é invisível aos olhas, e só se vê bem com o CORAÇÃO”.

      Obrigado por existirem em minha vida

      jairo

  4. Texto sensacional Dr Jairo.
    Que história e que experiência.

    Reli cada detalhe agora no seu blog. Muito obrigado por compartilhar.

    1. Haggeas, meu irmão

      Obrigado pela atenção, compartilhar as histórias permite manter as lembranças das pessoas vivas

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