O Presente (tempos atuais) é um Presente (uma dadiva) que deve ser saboreado no Presente (neste momento)

Queridos,

Pelo calendário hebraico o mês de Elul esta terminando e em alguns dias, os judeus em todo o mundo estarão iniciando a comemoração do novo ano judaico (Rosh Hashana), e estaremos pedindo para sermos inscritos no “Livro da Vida” por pelo menos mais um ano.

Habitualmente eu escrevo um texto colocando algumas reflexões sobre minha compreensão das relações entre o festejo bíblico e o momento atual. Desta vez o que consegui produzir foi um amontoado de coisas meio disparatadas, como se fosse um ato Dadaísta e peço a compreensão de todos.

Meu judaísmo (mais cultural) nos tempos de pandemia (parafraseando Gabriel Garcia Marques)

Desde a destruição do Templo em Jerusalém a pratica do judaísmo ocorre nas sinagogas (parte cerimonial)  e tb no interior dos lares (parte festiva e de comidas).  A pandemia modificou tudo isto.

Uma das oportunidade que tivemos devido ao isolamento social, foi de poder “assistir” serviços religiosos (em especial de Shabat) e sinagogas espalhadas pelo mundo.

 Assistimos

                O Rabio Bonder no Rio de Janeiro

                Serviços Religiosos em Buenos Aires,

                Alguns nos EUA e até na Europa e Australia (sinagogas ortodoxas não fazem streaming e varias, por razões de segurança não permitem acesso).

 É extremamente gratificante “viajar” por estes locais e perceber como somos parecidos e se sentir parte de um todo.

Hábitos desta tribo semita e as doenças infecto-contagiantes:

Para quem não é da “tribo”, a situação dos judeus serem o Povo Escolhido” se refere não a ser o “mais querido”, mas sim ter sido escolhido para cumprir 613 mandamentos divinos (quando todos os judeus cumprirem todos os mandamentos então aí o Messias virá a este mundo).  Toda a humanidade (não importa o credo) é obrigada a cumprir as Sete Leis de Noé (qdo D’us salvou Noé e seus descendentes do Diluvio, criou esta obrigação).

Destes 613 mandamentos uma menor parte são mandamentos éticos (tipo não roubaras) e a grande parte são mandamentos de costume (por exemplo não trabalhar no sétimo dia foi possivelmente a primeira legislação trabalhista da história da humanidade, pois até os escravos passaram a ter um dia de descanso).

Das leis de costume várias são de natureza higieno-dietética (como por exemplo: tomar banho após a menstruação, lavar as mãos, não comer porco, sepultar os mortos logo após o falecimento,  etc.)

Possivelmente estar regras tiveram impacto positivo em algumas pandemias do passado, fazendo com que a mortalidade em judeus fosse menor do que de outros povos (este fato acabou gerando ondas de antissemitismo, pois induziam a acreditar que os judeus fossem responsáveis pala maior mortalidade dos demais)

1) Epidemias de cólera nos séculos 18 e 19:          

a. Houverem pelo menos 7 pandemias, durando cada entre 7 a 20 anos

b. Ainda não se havia o conhecimento de microbiologia, mas se tinha a noção de que algo era contagioso

c. Por exemplo em 1831, em uma destas pandemias, o Rabino Akiva Eiger (numa província da Prússia) nas vésperas dos festejos de Rosh Hashana emitiu a orientação abaixo:

We provide the following guidelines given the recommendation of the physicians that gathering of large crowds for prolonged periods of time, leaving early on an empty stomach, and breathing the sharp [toxic] morning air is likely to cause cholera. Furthermore, the fumes of oil lamps… in the synagogues are harmful to one’s health.… All synagogues, including both the men’s and women’s section, should fill to only half of their seating capacity such that every other seat is empty. To allow for equal access during the high holidays, half the congregants will attend for the two days of Rosh Hashana while the other half will attend for Yom Kippur, with the specific holiday being determined by lottery. A military guard should be posted at the synagogue entrance to maintain orderly seating .The length of the service for Rosh Hashana should not exceed five hours, each oleh to the Torah will be limited to one mi sheberakh, piyyutim should be omitted, and the cantor should not prolong the prayers with melodies or musical flourishes.

Rabino Akiva Eiger

2) Gripe Espanhola de 1918.

Encontrei a seguinte predica:

In November 1918 Rabbi Moise Bergman of Temple Albert in Albuquerque spoke of a familiar balance between economic and humanitarian decisions.

It is hard to answer the man who says his business has been hurt by the quarantine, but it will be impossible to answer the one who says, my child has died because of the neglect of the state.

Rabbi Moise Bergman

3) O Gueto de Varsóvia:                  

No inverno de 1941 a 42 os Nazistas numa tentativa de exterminar mais rapidamente os judeus, adotaram praticas de causar uma epidemia de Tifo (que era muito letal e cujo pico se da no inverno). No entanto, mesmo em condições sub-humanas os profissionais de saúde judeus do Gueto, conseguiram implementar medidas higiênicas e a epidemia foi controlada (vejam gráfico abaixo).

Com o insucesso desta iniciativa os Nazistas começaram o programa de deportação para os Campos de Extermínio.

A celebração do ano novo

Pelo segundo ano não estaremos presencialmente na sinagoga, não estaremos juntos, e não ouviremos as rezas e melodias que são como “confort food” para a nossa Neshamá (alma).

Nosso jantar de celebração será apenas entre Ariel, a Mais-Mais e eu, sem a balburdia que caracteriza esta celebração. Faremos alguns Zooms tentando contatar com amigos e parentes, mas ficaremos com uma sensação de algo incompleto.

Não encontrarei os rostos familiares, os amigos que só vejo nestas oportunidades, e não sei bem como pedirei perdão a D’us (e às pessoas) pelas ofensas e pecados que cometi (lembrem-se que no judaísmo, D’us perdoa as ofensas cometidas contra ele, através de 3 coisas: Arrependimento sincero, orações e boas ações)

Mas por outra perspectiva temos muito a celebrar:

  1. Apesar de não estarmos em Pessach,  me sinto como na noite da 10ª praga do Egito, quando o anjo da morte “Pass Over” as pessoas.

Em vez de uma Mezuza ( ), meu “Lucky charm” foram:

  • Duas doses de vacina no braço
  • Uma mascara N95 no rosto.
  1. Meu único irmão ficou gravemente enfermo com COVID-19 e tive a grata oportunidade de poder ajuda-lo a se recuperar
  2. Meus Co-sogros tb foram acometidos e tb pude contribuir para sua recuperação
  3. A equipe multiprofissional que eu tenho o prazer e o privilégio de coordenar, continua com um excepcional “track-record” de atendimento de COVID e tenho até medo e nos sentirmos seguros e não ficarmos atentos aos detalhes.
  4. Meus filhos, esposa e nora estão bem
  5. Comparativamente a outros tive poucas perdas na pandemia
  6. Fiz uma apresentação para o Museu Judaico de SP, sobre a criação do Einstein.            

Mas neste ano tivemos algumas perdas:

1) Nossa querida amiga (professora de culinária, guia, etc.) Mari Hirata se foi

Mari nos dando aula em Paraty

2) Pela primeira vez minha querida Tia Sarinha (minha ultima parente da geração anterior viva) não me reconheceu e não ganhei meus beijos com batom que ela sempre me premiou.

Mais-Mais, Tia Sarinha e eu

3) Dois amigos muito queridos,  que participaram ativamente da idealização do Einstein se foram,  e deixaram uma enorme vazio em meu coração:

a) Sr. Joseph, que financiou um boa parte dos sonhos de meu falecido pai

b) Prof. Victor (que tb foi meu professor da Escola Paulista de Medicina)

4) Me desfiz da casa de Paraty, que eu tanto gostava

Vista da janela do meu quarto em Paraty

Comparação entre a Pandemia e outras situações graves

Apesar da gravidade da situação em que vivemos, não me parece que ela se compara com outros momentos terríveis da humanidade.

Prof. Jared Diamond

Biólogo evolucionista, em recente palestra fez uma comparação desta pandemia com outras que já ocorreram (por favor não entendam mal o que ele colocou):

  1. Grandes pandemias anteriores (peste, tifo, gripe), tiveram consequências muito mais graves, como:
    • 30 a 50% da população morta
    • Enorme porções de terra desabitada por longo período (por falta de gente)
  2. Na pandemia atual (apesar de toda morte ser uma perda e enorme tristeza) nada disto ocorrerá (não que seja um consolo)

Em situações catastróficas do passado (no caso dos judeus: Inquisição, expulsões;  Pestes, Holocausto) as pessoas encontravam uma “força interna” para serem resilientes e sobreviver,

Sr. Viktor Frankl

Neuropsiquiatra Austriaco, sobrevivente de Auschwitz escreveu:

 “When we are no longer able to change a situation… we are challenged to change ourselves.”

Viktor Frankl

 E creio que  isto é o  que  que a maior parte de nós vem tentando fazer neste período de provação:

  1.  Mudar a nós mesmos.
  2.  Entendermos os tempos atuais, suas demandas e necessidades e de alguma forma cumprir uma obrigação moral de sobreviver (e ajudar outras a sobreviverem), não só por nós, mas tb em homenagem as milhões de vidas perdidas nesta pandemia.
  3.  Sem querer de modo algum comparar a situação atual com a do Holocausto, a melhor forma de homenagear os que não sobreviveram á COVID é nós mantermos a memória deles viva.

Rabino Abraham Joschua Heschel 

Um dos maiores teólogos do século 20 foi (tb um sobrevivente do holocausto, e é aquele que marchou junto com MLK em Selma) nos explica que os judeus aprenderam a valorizar mais o “tempo” do que o “espaço”, possivelmente devido a história judaica de expulsões, privações e perseguições.

Os judeus construíram o “Santuário” do Shabat.

Onde estivermos podemos entrar neste “espaço sagrado” uma vez por semana e trazer santidade as nossas vidas.

Rabino Abraham Joschua Heschel 

De alguma maneira, foi o que minha família tentou fazer durante este período.

1) Quase todas as 6as feiras Luci e eu vamos para Atibaia (numa pequena casa, num condomínio antigo, que recebi de meus pais, e onde temos muitos amigos de infância [de novo a “confort food”]) e lá se tornou nosso pequeno “santuário”.

Terraço dos quartos de Atibaia

2) Ficamos juntos, e nos sentindo bem só por termos a companhia um do outro.

3) Cozinhamos juntos, e nos sentimos vivos.

Asinha de frango feita no meu Smart Oven “June”
Nosso forno de pizza Ooni

4) Qdo a situação epidemiológica permitia encontrávamos algumas pessoas (com todos os cuidados).

5) Por vezes assistíamos a cerimônia do Shabat pelo computador,

6) Criamos uma horta (acompanhar o crescimento destas plantas, nos faz sentirmos vivos)

Mais-Mais e Vicky na nossa horta

Viajamos algumas vezes:

                Com medo e cuidado tentamos escapar um pouco deste “moedor de carne humana” que se tornou a pratica da medicina na pandemia (na nossa equipe passamos de 750 casos atendidos):

1) Cânions do Itaimbezinho e Serra do Rio do Rastro:

2) Jalapão

3) Rio Tapajós

Ultimately, we are free to choose, but we are not free from the burden of having to choose.  To fail to choose is itself a choice, and it is not the choice of life and blessing.

Shana Tova Umetuka . Luci, Vicky, Gabriel, Ariel e jairo

3 Replies to “Meu texto para Rosh Hashana e Yom Kippur 5782”

  1. Caro amigo Jairo,
    É sempre uma enorme alegria (e muito instrutivo) ler seus textos no único blog que eu acompanho.
    A sua mensagem de esperança, otimismo, “joie de vivre”, é inspiradora. As palavras de prevenção e cautela também.
    Você sempre me lembra, durante estes mais de 30 anos que convivemos no seu consultório, as sábias palavras da Violeta Parra: ‘gracias a la vida que nos ai dado tanto”.
    Feliz ano de 5782 para você e sua família. Forte abraço,
    Sergio Victor Milred

    1. Sergio, querido amigo de tantas decadas.

      Obrigado pelas palavras e mais que tudo pela amizade de sempre

      Que este ano seja melhor, com mais serenidade, saude e realizações

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