Morte e Vida Severina – Wikipédia, a enciclopédia livre

Esta é possivelmente a Obra-Prima do Escritor e Poeta Pernambucano João Cabral de Mello Neto, escrita em torno de 1955. Trata-se de um auto de Natal, que relata a jornada de Severino, saindo do Sertão em busca de condições melhores de vida no litoral.

As injustiças sociais são narradas de forma escancarada e possivelmente o épico é o funeral de um lavrador a mando de latifundiários (o texto esta copiado abaixo).

Após presenciar tantas mortes, Severino entende que é a própria morte a maior empregadora do Sertão. É a ela que se devem os empregos do Médico ao Coveiro, da Rezadeira ao Farmacêutico.

Em certo momento Severino contempla a possibilidade de se suicidar e é detido por José, um Carpinteiro, que fala do nascimento de seu filho. É uma clara indicação do nascimento de Jesus e de um ciclo de renovação da vida

Este texto virou uma peça Teatral, com música de Chico Buarque de Hollanda e a sua versão do “Funeral de um Lavrador” é magnifica e coloco ela em duas versões:

  1. O próprio Chico Buarque
  2. Com Tânia Alves, numa filmagem deste texto (atenção ela aparece cantando aos 2:55)

ASSISTE AO ENTERRO DE UM TRABALHADOR DE EITO E OUVE O QUE
DIZEM DO MORTO OS AMIGOS QUE O LEVARAM AO CEMITÉRIO


— Essa cova em que estás,
com palmos medida,
é a conta menor
que tiraste em vida.
— É de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe
deste latifúndio.
— Não é cova grande,
é cova medida,
é a terra que querias
ver dividida.
— É uma cova grande
para teu pouco defunto,
mas estarás mais ancho
que estavas no mundo.
— É uma cova grande
para teu defunto parco,
porém mais que no mundo
te sentirás largo.
— É uma cova grande
para tua carne pouca,
mas a terra dada
não se abre a boca.
— Viverás, e para sempre
na terra que aqui aforas:
e terás enfim tua roça.
— Aí ficarás para sempre,
livre do sol e da chuva,
criando tuas saúvas.
— Agora trabalharás
só para ti, não a meias,
como antes em terra alheia.
— Trabalharás uma terra
da qual, além de senhor,
serás homem de eito e trator.
— Trabalhando nessa terra,
tu sozinho tudo empreitas:
serás semente, adubo, colheita.
— Trabalharás numa terra
que também te abriga e te veste:
embora com o brim do Nordeste.
— Será de terra
tua derradeira camisa:
te veste, como nunca em vida.
— Será de terra
e tua melhor camisa:
te veste e ninguém cobiça.
— Terás de terra
completo agora o teu fato:
e pela primeira vez, sapato.
— Como és homem,
a terra te dará chapéu:
fosses mulher, xale ou véu.
— Tua roupa melhor
será de terra e não de fazenda:
não se rasga nem se remenda.
— Tua roupa melhor
e te ficará bem cingida:
como roupa feita à medida.
— Esse chão te é bem conhecido
(bebeu teu suor vendido).
— Esse chão te é bem conhecido
(bebeu o moço antigo).
— Esse chão te é bem conhecido
(bebeu tua força de marido).
— Desse chão és bem conhecido
(através de parentes e amigos).
— Desse chão és bem conhecido
(vive com tua mulher, teus filhos).
— Desse chão és bem conhecido
(te espera de recém-nascido).
— Não tens mais força contigo:
deixas-te semear ao comprido.
— Já não levas semente viva:
teu corpo é a própria maniva.
— Não levas rebolo de cana:
és o rebolo, e não de caiana.
— Não levas semente na mão:
és agora o próprio grão.
— Já não tens força na perna:
deixas-te semear na coveta.
— Já não tens força na mão:
deixas-te semear no leirão.
— Dentro da rede não vinha nada,
só tua espiga debulhada.
— Dentro da rede vinha tudo,
só tua espiga no sabugo.
— Dentro da rede coisa vasqueira,
só a maçaroca banguela.
— Dentro da rede coisa pouca,
tua vida que deu sem soca.
— Na mão direita um rosário,
milho negro e ressecado.
— Na mão direita somente
o rosário, seca semente.
— Na mão direita, de cinza,
o rosário, semente maninha.
— Na mão direita o rosário,
semente inerte e sem salto.
— Despido vieste no caixão,
despido também se enterra o grão.
— De tanto te despiu a privação
que escapou de teu peito a viração.
— Tanta coisa despiste em vida
que fugiu de teu peito a brisa.
— E agora, se abre o chão e te abriga,
lençol que não tiveste em vida.
— Se abre o chão e te fecha,
dando-te agora cama e coberta.
— Se abre o chão e te envolve,
como mulher com quem se dorme.

Chico Buarque: Terra e Morte e Vida Severina, parcerias na ...
Tânia Alves cantando. Inicia aos 2:55

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