Eu era recém retornado do meu Fellowship (pós graduação) em Boston, e para começar a vida profissional, aluguei alguns horários no consultório de um colega na Rua da Consolação em SP.
Se minha memória não falha, era o Dia do Médico (não sei se vocês sabem mas o dia de homenagem de cada profissão é o dia do Padroeiro da mesma, que no caso dos médicos é São Lucas) 18/10/1985, uma 6a feira. Era um final de tarde e depois eu deveria ir ao Einstein, onde haveria uma celebração por esta efeméride.
Estava na última atividade do dia, que era a a primeira consulta de um menino (com sua mãe) a respeito de um quadro de Diabetes Tipo 1 (antigamente conhecido como Diabetes Juvenil).
A mãe relatava que o Diabetes se manifestou, após o menino ter presenciado seu cachorro ter sido atropelado (não é incomum a ideia de se associar um evento estressante com o Diabetes, mas não passa de uma coincidência), quando de repente abre a porta do consultório e entra secretaria (muito gentil) eu dirijo um olhar bravo, quando percebo que atrás dele esta um homem de meia-idade, com uma arma e todos entendemos o que estava acontecendo.
Ele coloca nós quatro no banheiro do conjunto (quer era de tamanho razoável) e vamos escutando ele vasculhando o consultório em busca de algo de valor (se percebia o estrago que estava ocorrendo).
Após alguns momentos de silencio, que pareciam intermináveis (e não sabíamos como se comportar) o meliante retorna com mais algumas pessoas, que ele foi buscar em outros escritórios.
Creio que deveríamos ser entre 8 e 10 pessoas naquele exíguo espaço e aí começa a ocorrer a Psicologia do terror:
- Uma das Sras. que estava conosco diz algo
- Aí que sorte eu consegui esconder meus brincos no meu sapato e o ladrão não percebeu
- O que outra replica: de jeito nenhum, eu vou dedurar para ele. Em bom tom disse: “Se ele roubou o meu, tem de levar o de todo mundo”.
- O tal banheiro tinha uma janela basculante que dava para um pátio de estacionamento, onde alguém poderia passar
- Um dos reféns tem a brilhante ideia de chamar alguém pela janela e nos salvar
- Mas obviamente que algum menos corajoso entrou em pânico
Após algum tempo o ladrão volta e pergunta: “quem é o dono desta sala”? e como se estivesse em um Campo de Extermínio Nazista, todos apontam para mim (e eu pensando, mas eu subloco um horário)
O ladrão, bem nervoso, virá para mim (isto já deveria ser em torno das 20:00hs) e diz eu vou sair e trancar a porta, daqui a uma hora eu ligo para o zelador liberar vocês.
Não sei de onde veio a inspiração, mas com toda a calma que eu encontrei disse para ele:
” Sr. Ladrão (não sabia como me referir a ele)daqui a uma hora não vai ter mai ninguem no prédio e nós vamos acabar passando o final de semana aqui. Me comprometo que ninguem vai sair antes deste horario, mas não tranque a porta”.
Assim ocorreu. Passado uma hora a “Psicologia do Terror” volta a se manifestar. Achei que era melhor dar um pouco mais de tempo, só por via das duvidas.
Passam-se mais 15 minutos e reflito comigo mesmo, se seria ou não prudente esperar um pouco mais.
Ne encho de coragem, abro a porta só um pouquinho e digo: “Seu Ladrão, o Sr. esta por aí? Pergunto mais duas ou três vezes e tomamos a decisão de sair.
Obviamente que o ladrão não estava mais no pedaço.
A história não termina ai.
Cada um quer ir embora e se sentir aliviado, mas a mãe do menino diabético diz: “Eu já paguei a consulta (obviamente que o ladrão já tinha levado o pagamento que ela tinha feito) e quero terminar a consulta”.
Obviamente que ela tinha direito ao que havia pago, mas eu não tinha condições de atender de forma correta o filho dela. Ressarci ela do valor pago (fiquei eu com o prejuízo monetário) e eles nunca mais voltaram.