Caros amigos,

Como sabem há cerca de dez anos, comecei escrever alguns textos sobre as “Festas Judaicas”, para os colaboradores do “Einstein”, com intuito de compartilhar aspectos da nossa religião, cultura e valores. Inesperadamente este texto despertou interesse em varias pessoas, judias e não judias, sedentas de maiores conhecimentos, o que me inspirou a continuar com esta pratica e encaminhá-lo para pessoas amigas.

A cada ano escolho algumas das inúmeras festividades que existem no Judaísmo e escrevo sobre as mesmas, tentando dar uma visão mais histórica e menos religiosa. Como as festividades são sempre as mesmas e não querendo ser muito repetitivo, eu tento apresentar algumas peculiaridades que não couberam (ou esqueci) nos textos anteriores.

Lembro sempre que minha formação religiosa é informal, pois minha família é de uma pratica judaica liberal e nunca estudei em uma escola religiosa. O que sei (e tento passar para vocês), são os ensinamentos que aprendi de minhas avós (e muitas vezes não sei diferenciar bem o que é efetivamente uma pratica religiosa de um costume familiar) e de meu autodidatismo, assim peço antecipadamente desculpas pelos erros que cometo.

Bom, vamos ao que importa.

Com o por do sol de hoje (que no calendário judaico é o 10º dia do mês de Tishrei, o qual é o 7º mês deste calendário) se inicia a comemoração do Yom Kipur (do hebraico: dia do perdão), onde será decidido por D’us (no Judaísmo não se pode falar ou escrever o nome do Criador e para isto são criados subterfúgios na forma de se referir a Ele): “quem viverá e quem morrerá no próximo ano, quem pelo fogo e quem pela água, quem pela espada e quem pela fome”.

O Judaísmo é uma religião cíclica e a cada ano, temos a oportunidade de re-começar tudo de novo, mas para isto é preciso que passemos por um Julgamento no Tribunal Celeste, onde devemos nos apresentar ao Juiz Supremo e termos nossas boas e más ações avaliadas. Se formos aprovados, seremos inscritos para o “Livro da Vida”, até que no ano seguinte teremos um novo julgamento.

Segundo a crença Judaica, a nossa sentença pode ser cancelada, através de três atitudes:

Teshuvá do Hebraico: Arrependimento, mas que também tem um significado de retorno ou volta a religião e seus mandamentos;

Tefilá do Hebraico: Orações, Nós chamamos isso de “andar humildemente com D’us”. O homem tem que eliminar a soberba de sua vida e considerar a humanidade como um todo na sua relação com a natureza, o indivíduo na sua relação com seu vizinho;

Tsedaká do Hebraico: Boas ações, Não é “caridade” no sentido da palavra, mas uma generosidade resultante da noção de justiça que desejamos ver realizado no mundo. É uma exigência, uma Mitsvá, não uma opção individual! Vestir o pobre, dar de comer ao faminto, educar, criar condições básicas de saúde, curar doenças, manter a comunidade… .

D’us pode perdoar os pecados cometidos contra Ele, mas os realizados contra outras pessoas, só podem ser perdoados pelas mesmas.

O Julgamento Celeste, se iniciou na verdade um mês antes do Ano Novo Judaico (Rosh Hashana, que do Hebraico quer dizer Cabeça do Ano), que ocorreu há 10 dias atrás, e no dia do Ano Novo foi promulgada a nossa sentença (quem viverá e quem morrerá…). Neste mesmo dia se iniciou uma espécie de “Tribunal de Apelações” e que avaliará nos 10 dias seguintes, chamados de “Yamim Noraim” (do Hebraico: Dias de Penitencia) , nossas suplicas. O Décimo dia é o Yom Kipur, no qual a maior parte do dia é passada na Sinagoga, em orações.

Foi neste dia 10 de Tishrei (sétimo mês do calendário hebraico), que D’us perdoou o imperdoável: o bezerro de ouro (para quem não se lembram, após a saída do Egito, os Israelitas acamparam ao pé do Monte Sinai, e Moisés subiu ao seu cume aonde recebeu de D’us as Tábuas da Lei, com os 10 Mandamentos. No entanto, ao descer encontrou seu povo adorando um bezerro de ouro e em fúria atirou as Tábuas contra o bezerro e seus idólatras, destruindo-os. De todos pecados de Israel, a adoração do bezerro de ouro é considerado o pior, e o sofrimento e o exílio de tempos posteriores podem ser atribuídos a ele). Foi neste dia que, após 40 dias de súplica para que D’us perdoasse os Filhos de Israel, Moisés desceu com o segundo par de tábuas, contendo os Dez Mandamentos, prova do perdão Divino pelo pecado do bezerro de ouro. Por isso, nossos sábios nos ensinam que se o homem perdoar a quem o magoou, se mostrar benevolência e generosidade para com o seu semelhante, os Céus vão tratá-lo da mesma forma.

A obrigação deste ritual esta na Bíblia (para os não Judeus, no “Velho Testamento”), onde esta escrito:

“….Aos dez dias deste sétimo mês é o dia das expiações; convocação de santidade será para vós, e afligireis as vossas almas (através do jejum)…”  Levítico 23.

A liturgia de Yom Kipur segue alguns preceitos específicos para esta temporada:

                Kol Nidrei (do Hebraico: Todas as Promessas)

        É o serviço inicial e, talvez, o mais importante do Yom Kipur. Tem uma melodia tradicional, lamentosa e comovedora, que infunde em cada devoto um sentimento de misto de alegria e temor. O Chazan varia a intensidade de seu canto entre pianíssimo e fortíssimo e são repetido três vezes, de modo que um retardatário tenha oportunidade de escutá-lo.

Não é verdadeiramente uma oração e sim uma declaração, onde as promessas realizadas no ano anterior e não cumpridas são negadas, pois a Tora (a Bíblia Judaica, que consiste apenas do Velho Testamento) considera um grave pecado o não cumprimento de promessas realizadas. No Yom Kipur a essência de nossa alma é revelada e expressamos nossa compreensão em relação as imperfeições que temos em nosso comportamento.

Se ritual é imponente e se inicia antes do por do sol da véspera de Yom Kipur (lembre-se que no calendário judaico, o novo dia se inicia com o por do sol). A congregação se reúne na Sinagoga, a Arca Santa é aberta, e duas pessoas retiram dois rolos da Tora. Cada um deles fica de um lado do Chazan (do Hebraico: Cantor) e os três (simbolizando um tribunal rabínico) recitam:

        “Com a permissão de D’us – Louvado seja – e com o consentimento desta congregação; com a autoridade do Tribunal Celeste e com a aprovação do tribunal terrestre, nós permitimos orar junto com os transgressores”.

        Esta “oração” foi escrita pelos Judeus Espanhóis na época do Rei Ricardo I (586- 601 DC), que ordenara a conversão forçada ao Catolicismo e que eles deveria acatar esta disposição mesmo contra suas consciências e vontades. Com a chegada do Yom Kipur, ao se reunirem clandestinamente para oferecer suas preces a D’us, o maior deles se levantava para declarar que todos os juramentos e promessas que haviam feito eram nulos e vãos, visto haverem sido formulados sob coação.

        Estes Judeus que mantinham suas praticas de forma secreta (ainda existe em algumas regiões de Portugal pessoas que praticam rituais judaicos, como acender as velas na Sexta-feira à noite, sem saber bem porque) ganharam a denominação de Marranos. Ocorria freqüentemente que, quando estes visitavam seus irmãos nas Grandes Festas (Rosh Hashana e Yom Kipur) nas Sinagogas de outras cidades (como Amsterdam e Hamburgo) não lhes era permitida sua entrada. Argumentavam que eles, os “marranos”, deviam ter fugido e abandonado todas suas posses na Espanha, ao invés de se submeterem a uma conversão, mesmo que aparente.

O líder e a comunidade dizem em conjunto três vezes: “Que todo o povo de Israel, incluindo os estrangeiros que vivam com eles sejam perdoados, pois de todo o povo foi o erro”.

UNETANÊ TOKEF

Esta reza, chamada de Unetanê Tokef (do Hebraico: Nós devemos atribuir Santidade a este dia), foi escrita no século X da era comum, por Amnon de Mogúncia (Mainz, na Alemanha), importante judeu, foi pressionado pelo Arcebispo para se converter ao cristianismo. Amnon pediu três dias para pensar. Ao fim desse prazo, envergonhou-se de ter dado sequer a impressão de que poderia considerar a conversão e pediu ao Arcebispo que lhe cortasse a língua. Em vez disso, como punição, amputaram-lhe as mãos e os pés. Assim mutilado, pediu para ser carregado até a Sinagoga, chegando no meio do serviço de Rosh Hashaná. Ele recitou a prece acima, exprimindo o terror e a grandiosidade do julgamento divino, e então morreu. Esta reza se tornou a  parte central da liturgia de Rosh Hashaná e de Yom Kipur, e é recitada numa melodia solene e melancólica.

        ” E será exaltada a intensa santidade deste dia, pois ele é temível e tremendo. Nele o Teu reino se eleva, e se estabelece com piedade o trono em que Te sentas, para julgar com verdade. É verdade que Tu és o Juiz, que aprende e sabe de tudo, escreve, assina, relata e conta e se lembra de tudo que é esquecido. Abre o Livro dos Anais, o qual é lido por si mesmo, e no qual se acha a assinatura de todo homem. Um poderoso Shofar (corneta sagrada feita do chifre de um carneiro) ressoa, e uma voz de silêncio se faz ouvir; os anjos do céu se apressam, tremem e agitam-se, dizendo: Eis o Dia do Julgamento! Pois também os exércitos do céu serão inspecionados, porquanto eles não são absolvidos de pronto ante a Tua justiça; e todas as criaturas passarão diante de Ti como um rebanho.

        Assim como as ovelhas que são examinadas pelo pastor do rebanho e ele as faz passar por baixo de sua vara – também Tu farás passar, contar e examinar todas as almas vivas, determinarás o tempo de vida para cada criatura e registrarás as suas sentenças.

        EM ROSH HASHANÁ SERÃO INSCRITOS, E NO JEJUM DE YOM KIPUR SERÃO SELADOS: QUANTOS SAIRÃO DESTE MUNDO E QUANTOS NASCERÃO. Quem viverá e quem morrerá: quem completará seu devido tempo e quem não completará; quem perecerá pela água e quem pelo fogo; quem pelo fio de espada e quem por animal feroz; quem de fome e quem de sede; quem no terremoto e quem pela epidemia; quem será estrangulado e quem será apedrejado. Quem repousará e quem se agitará; quem ficará inativo e quem será desconcertado; quem será feliz e quem será castigado; quem emprobecerá e quem enriquecerá; quem será rebaixado e quem será elevado.”

        Avinu Malkeinu: (do Hebraico: Nosso Pai, Nosso Rei)

Nesta época do ano, chamamos D’us de Avinu Malkenu, “Nosso Pai, Nosso Rei.” Um rei exige obediência. Um pai deseja que seus filhos cresçam. Não é por acaso que colocamos a palavra Avinu antes da palavra Malkenu. D’us é nosso Pai antes de ser nosso Rei. É por isso que Ele não quer que fiquemos parados. Ele deseja que a cada ano, e a cada geração, vá além da anterior. Que nós e nossos filhos assim façamos — e que sejamos inscritos no livro da vida judaica (esta explicação é do Rabino Chefe da Inglaterra. Jonathan Sacks, uma de minhas fontes de inspiração)

        Confissões: Vidui (confissão) e Al Chet (pelo pecado que cometemos diante de Ti)

Durante as orações de Yom Kipur, se Confessa publicamente os pecados que cometemos contra D’us e pedimos perdão pelos mesmos. Estas orações são repetidas dez vezes durante o serviço de Yom Kipur, são recitadas em pé por toda a Congregação e se bate o punho direito sobre o coração ao mencionar cada uma das confissões. Exemplifico algumas das rezas contidas:

        Seder Vidui:

                “D’us nosso e D’us de nossos pais, rogamos-Te que a nossa oração chegue até a Tua presença. Não Te esquives de aceitar a nossa suplica, pois não somos tão arrogantes e obstinados que possamos declarar diante de Ti, Eterno, Nosso D’us, e de nossos pais, que somos justos e que não pecamos. Mas, pelo contrario, nós e nossos pais pecamos”.

        Al Chet:

                “Pelo pecado que cometemos diante de Ti coagidos ou voluntariamente; e pelo pecado que cometemos diante de Ti endurecendo o coração.”

O Toque do Shofar

O Shofar é um instrumento de sopro (um dos mais antigos instrumentos musicais), feito do chifre de carneiro, que tem uma simbologia toda especial (entre elas a do carneiro que foi sacrificado no lugar de Isaac). Seu toque parece uma mistura de choro, lamúria e suplica e emociona a todos que o escutam. Segundo Maimônides o toque do Shofar signifca:”Acordai de vosso sono e ponderai sobre os vossos feitos; lembrai-vos do Criador e voltai a Ele em penitência. Não sejais daqueles que per-dem a realidade de vista ao perseguirem sombras ou esbanjam anos buscando coisas vãs que não lhes trazem proveito. Olhai bem vossas almas e considerai vossos atos; abandonai os caminhos errados e os maus pensamentos e voltai a D’us, para que Ele tenha misericórdia para convosco!”

Minha avó dizia que é neste momento que D’us esta mais propicio a ouvir nossas suplicas

        Yizkor (do Hebraico Recordação)

Quatro vezes por ano, sendo uma delas no Yom Kipur, aqueles que perderam um parente próximo (em geral, pais ou filhos) fazem esta oração em memória de seus entes queridos. Isto é baseado na crença Judaica da eternidade da alma. Embora uma alma não possa mais realizar boas ações após a morte, pode ganhar méritos através da caridade e boas ações dos vivos.

        É costume em muitas sinagogas acrescentarem uma reza especial para os mártires da nossa história, para os que foram assassinados em nome de sua fé e em especial para as vitimas do nazismo, onde a grande totalidade nem teve o direito a um enterro digno.

Os mais observantes fazem um jejum completo (alimentos e líquidos) que se inicia antes do por do sol de hoje e termina após o por do sol de amanhã. Há uma longa reza na noite de hoje e amanhã durante todo o dia.

Até o fim das rezas (amanhã a tarde), costuma-se cumprimentar as pessoas com: “Chatima Tova” (do hebraico: “Boa Assinatura), que quer dizer,: Que vc seja inscrito no livro da vida.

Após o serviço religioso, há um jantar festivo, onde existem algumas tradições:

1)       Maçã com mel:

A tradição dos Judeus oriundos da Europa é de comer uma fatia de maçã (que simboliza um “fruto da terra”), com mel (para se ter um ano doce). Utiliza-se mel e não alguma outra forma de adoçar, pois do mesmo modo que a abelha tem de trabalhar para produzir o mel, nós também temos de trabalhar para se ter um ano doce.

2)       Chalá (um tipo especial de pão que se usa em dias de festas religiosas).

Normalmente a Chalá é feita na forma de uma trança e em geral é salgada.  As chalot (plural de Chala) servidas em Rosh Hashaná são redondas, símbolo de continuidade e eternidade, como o círculo que não tem começo nem fim; sem ângulos, nem arestas, um pedido para um ano sem conflitos. Costuma-se mergulhar o pão no mel em vez do sal habitual, em todas as refeições desde Rosh Hashaná até ao sétimo dia de Sucot.       

Espero não ter sido entediante e humildemente peço a todos perdão pelos pecados e ofensas que cometi, e declaro que qualquer ofensa feita a mim (sinceramente não me lembro de nenhuma) esta previamente perdoada.

Que o Eterno, Nosso D’us e D’us de Nossos pais, inscreva-os no Livro da Vida.

Jairo

PS: Abaixo coloco alguns “links” para orações de Yom Kipur que se encontram no You Tube.

PS2: em hebraico existe uma pronuncia de um “R” aspirado no inicio da palavra (como se fosse um duplo R). Para diferenciar isto, se costuma utilizar do Alemão a anotação “CH” (equivalente ao “J” do Espanhol”, assim, “Chala”, se pronuncia “rrala”; Chazan (rrazan) e assim por diante.

PS3: abaixo copio o texto de uma amiga querida, cuja beleza interna é sublime, me enviou ano passado, que reflete uma maneira de pensar bem apropriada para os tempos atuais:

*COMO JEJUAR, SENHOR?*

(autor desconhecido)

Que eu possa jejuar de julgar os outros, e descubra Deus que vive neles.

Que eu possa jejuar das palavras que ferem, e transmita palavras libertadoras.

Que eu possa jejuar do descontentamento e viva a gratidão do amor recebido.

Que eu possa jejuar das ofensas e rancores e desperte a ternura e a paciência.

Que eu possa jejuar do pessimismo e tenha esperança.

Que eu possa jejuar das preocupações e intranqüilidades, com a confiança depositada em Deus.

Que eu possa jejuar de queixar-me, e intensifique o valor pelas coisas simples da vida.

Que eu possa jejuar das aflições e angustias que não cessam, e reze sem cessar.

Que eu possa jejuar da tristeza e amargura e substitua pela  alegria do coração.

Que eu possa jejuar da vanglória e egoísmo para ter compaixão pelos outros.

Que eu possa jejuar da ansiedade pelas coisas do presente e anuncie que o Reino de Deus está próximo.

Que eu possa jejuar do desalento e angústia, com a coragem da fé.

Que eu possa jejuar do que é superficial e sem valores, para alcançar o chamado da santidade.

Que eu possa jejuar de tudo o que me separe de Deus e desperte para tudo que me aproxima de Deus.

Que eu possa jejuar de minhas ausências de perdão e as transforme em atitudes de reconciliação.

Que eu possa jejuar de meu próprio pão, em favor de algum irmão.

Que eu possa jejuar de minhas próprias palavras, para dar vida ao silêncio e à escuta.

Que eu possa jejuar sempre para despertar para o Testemunho da Vida.

Porque no jejum de minhas atitudes, Deus é minha fortaleza.

shalom (paz)

http://www.youtube.com/watch?v=dvWxoYULWrw (Col Nidrê)

http://www.youtube.com/watch?v=0YONAP39jVE  (Barbra Streisand Canta Avinu Malkeinu)

http://www.youtube.com/watch?v=Z2xNkhVPtDY (Unetane Tokef)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *