Caros Todos,
Volto a escrever sobre as festas, celebrações e um pouco da História dos Judeus e do Judaísmo, sendo que neste texto escrevo sobre a Festa de Chanuca (pronuncia-se como ḥănukkāh. Este “CH” é pronunciado como no alemão, ou como o “J” espanhol), que em Hebraico significa Inauguração ou dedicação.
Começo sempre, explicando que minha motivação de escrever estes textos começou com o intuito de compartilhar com os cerca de 7.500 colaboradores da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein (cuja enorme maioria não é Judia) alguns aspectos da religião, história e cultura do povo que estabeleceu a nossa instituição. Não tenho formação religiosa maior (aprendi muito de judaísmo com minha falecida Avó Regina e um pouco por auto-didatismo) e de antemão peço desculpas pela falhas que possa estar cometendo.
As Festas e Celebrações Judaicas são em geral relacionadas a alguns poucos tópicos:
1) Em relação a colheita de cereais (lembrem-se que na região de Israel, semi-desertica, conseguir uma boa colheita é um quase-milagre).
2) Suplica a D’us (os Judeus mais observantes não pronunciam nem escrevem o nome do Todo Poderoso), para nos perdoar pelas nossas falhas.
3) A minha preferida: “Eles queriam nos matar, não conseguiram. Vamos fazer uma festa”. Chanuka se enquadra neste tipo de celebração.
I) Contexto histórico:
Viagem no tempo comigo: O ano é 167 AC, a localização, como habitualmente ocorre na história judaica é a região do que chamamos de atualmente de “Oriente Médio”.
Apenas para situar melhor estes acontecimentos, cito algumas datas históricas próximas:
a) Em 217 AC. Aníbal invade a Itália, cruzando os Alpes com seus Elefantes.
b) Em 215 AC foi construída a “Grande Muralha” da China
c) Em 196 AC a Pedra de Rosetta (a partir da qual em 1822 foi possível se decifrar os hieróglifos) foi esculpida.
d) Em 168 AC Roma começa a dominar o mundo.
e) Em 147 AC a Grécia passa a ser dominada por Roma
f) Em 140 AC a estatua da “Vênus de Milo” é esculpida.
II) Fatores Precipitantes:
Em junho de 323 AC. Alexandre, o Grande, morre um mês antes de completar 33 anos de vida (provavelmente de febre tifóide), por coincidência no palácio de Nabucodonozor II da Babilônia. Lembrem-se que em 586 AC Nabucodonozor I, conquistou o Reino de Judá, destruiu Jerusalém e o Templo que havia sido construído pelo Rei Salomão e levou o povo Judeu ao seu segundo Exílio, o chamado Exílio da Babilônia (o primeiro foi o Exílio do Egito e o terceiro, após a destruição de Israel por Roma no ano 70 DC e que só terminou a 60 anos atrás com fundação do Estado de Israel).
O maior comandante militar de todos os tempos, que descendia entre outros do próprio Hércules, que foi educado pessoalmente por ninguém menos do que Aristóteles, e que no breve espaço de 12 anos (período entre o assassinato de seu pai Felipe II e sua própria morte), conquistou a maior parte do mundo conhecido.
Após sua morte, houve um conflito de ~ 20 anos, sobre a sua sucessão e em 301 AC seu império foi dividido entre seus principais Generais, sendo que a Grécia ficou com a dinastia Antigonida, o Egito, a Palestina e o que hoje é a Líbia ficaram com a Dinastia Ptolomaica (a famosa Cleópatra descende do General Ptolomeu). A Mesopotâmia e a Pérsia com a Dinastia Seleucida. Alguns anos depois Israel passou a ser dominada pela Dinastia Seleucida, cuja sede era em Damasco.
III) A Dessacralização do Templo, a Proibição das Praticas Judaicas e a Revolta dos Macabeus:
Por volta do ano de 200 a.C. os judeus viviam como um povo autônomo na terra de Israel, a qual, nessa época, era controlada pelo rei selêucida da Síria. O povo judeu pagava impostos à Síria e aceitava a autoridade dos selêucidas, sendo, em troca, livre para seguir sua própria fé e manter seu modo de vida.
Em 180 a.C. Antíoco IV Epifanes ascendeu ao trono selêucida. Braço remanescente do império grego, encontrou barreiras para sua dominação completa sobre o povo judeu, e o modo mais prático para resolver isso era impor de maneira firme a cultura da Grécia sobre os judeus, eliminado, assim, aquilo que os unificava em qualquer lugar que estivessem: a Torá. O rei Antíoco ordenou que todos aqueles que estavam sob seu domínio (em específico Israel) abandonassem sua religião e seus costumes. No caso dos judeus, isso não funcionou, ao menos em parte. Muitos judeus, principalmente os mais ricos, aderiram ao helenismo (cultura grega) e ficaram odiados e conhecidos pelos judeus mais pobres como “helenizantes”, uma vez que ficavam tentando fazer a cabeça do resto dos judeus para também seguirem a cultura grega. Antíoco queria transformar Jerusalém em uma “pólis” (cidade) grega, e conseguiu.
Em 167 a.C., após acabar com uma revolta dos judeus de Jerusalém, Antíoco ordenou a construção de um altar para Zeus erguido no Templo, fazendo sacrifícios de porcos e de outros animais impuros (não kasher) sobre o altar, e proibiu a Torá de ser lida e praticada, sendo morto todo aquele que descumprisse tal ordem.
Na cidade de Modim (sul de Jerusalém), tem início uma ofensiva contra contra os greco-sírios, liderada por Matatias (Matitiahu) (um sacerdote judeu de família dos Hasmoneus) e seus cinco filhos João, Simão, Eliézer, Jonatas e Judas (Yehudá). Após a morte de Matatias, Yehudá toma à frente da batalha, com um pequeno exército formando em sua maioria por camponeses. Mesmo assim, os judeus lograram vencer o forte exército de Antíoco no ano 164 a.C, e libertaram Jerusalém, purificando o Templo Sagrado. Judas acabou conhecido como Judas Macabeu (Judas, o Martelo).
O festival de Chanucá foi instituído por Judas Macabeu e seus irmãos para celebrar esse evento. (Mac. 1 vers. 59). Após terem recuperado Jerusalém e o Templo, Judá ordenou que o Templo fosse limpo, que um novo altar fosse construído no lugar daquele que havia sido profanado e que novos objetos sagrados fossem feitos. Quando o fogo foi devidamente renovado sobre o altar e as lâmpadas dos candelabros foram acesas, a dedicação do altar foi celebrada por oito dias entre sacrifícios e músicas (Mac. 1 vers. 36).
Em Chanuka se celebra dois milagres: o primeiro é a vitória do pequeno exército judeu, sobre o poderoso Império Seleucida. O segundo milagre é mais sobrenatural e deu origem à festa de Chanuká. Após a purificação da Cidade Santa e da Casa de Deus, foi constatado que só havia um pequeno jarro de azeite puro no Templo com o selo intacto do Cohen Gadol (Sumo Sacerdote) para que as luzes da Menorá (candelabro de 8 braços, que era de importancia central nos cultos do Templo Sagrado) fossem acesas, e isso duraria apenas um dia, mas milagrosamente durou oito dias, tempo suficiente para que um novo azeite puro fosse produzido e levado ao templo para o seu devido fim conforme manda a Torá (Ex 27:20-21).
A Judéia ficou independente até a chegada do domínio romano em 63 a.C. A festa é realizada no dia 25 de Kislev (cai normalmente em dezembro), data onde o Templo foi reedificado. É uma festa marcada pelo clima familiar e pela grande alegria. Encontramos os fragmentos históricos de Chanuká nos livros “apócrifos” (secretos) de I e II Macabeus e também em escritos talmúdicos. Os acontecimentos de Chanuká serviram para preparar o caminho do Messias.
IV) A Celebração de Chanuka:
A festa de Chanucá é celebrada durante oito dias, do dia 25 de Kislev ao 2 de Tevet (em 2008 se iniciou no dia 22 de Dezembro, apenas para lembrar, o calendario Hebraico é Lunar, isto é, o novo dia começa com o por do sol, e apenas a cada 19 anos há coincidencia entre o Calendario Gregoriano e o Hebraico).
O mandamento principal de Chanuká hoje é o acendimento da Chanukia (Menorá – candelabro – de 9 braços). Oito braços são para lembrar o milagre dos oito dias em que a Menorá ficou acesa com azeite que era para ter durado apenas um dia! O outro braço, que é chamado de “shamash” – servente – é um braço auxiliar para o acendimento das outras velas. Segundo a tradição, somente ele (o shamash) pode ser usado para, se for o caso, iluminar a casa ou para outro fim, sendo que as outras velas só podem servir para o cumprimento do mandamento. A cada noite um nova vela é acrescentada até que se completem as nove. Outras tradições como brincar com o “sevivon” (pião) onde em cada lado dele estão escritas as iniciais da frase “nes gadol hayá sham” (um grande milagre aconteceu lá – em Israel) são válidas, e para quem está em Israel a última palavra da frase é “pó” (aqui). Também há o costume de servir alimentos como sonho com geléia (sufganyot) e panquecas de batata (latkes).
Após acender as velas as familias reunidas cantam o “Maoz Tsur”. Que é um poema judaico litúrgico (coloquei alguns Links abaixo nos quais se pode ver e escutar algumas apresentações. Uma delas é na Casa Branca com o Casal Bush, outra é de um coral Cristão). Foi escrito na época das Cruzadas e é um acróstico, pois as primeiras letras das cinco estrofes iniciais compõem o nome do autor do poema (Mordecai ben Isaac ha-Levi). Este poema recorda as inúmeras vezes em que o povo Judeu foi salvo de aniquilação pelos seus vizinhos. A segunda estrofe se refere ao Êxodo do Egito, a terceira narra o Exílio da Babilônia. A quarta estrofe se refere aos fatos ocorridos em Purim (quando Haman, o Primeiro-Ministro da Pérsia, ordenou a morte dos Judeus) e a quinta relata a vitória dos Hasmoneus, que é comemorada em Chanuka.
A primeira e a ultima estofes são escritas no tempo presente, sendo que a primeira expressa a esperança pela reconstrução do Templo de Jerusalém e a ultima pede pela derrota dos inimigos do Povo Judeu.
Na primeira noite se recita uma oração especial, de significado sentimental para todos os Judeus, chamada de “Shehecheyanu” (em hebraico: Aquele que nos deste a vida). A oração em hebraico transliterado é: Baruch Ata Adonay Elocheinu Melech ha’o’lam She’he’cheyanu Veh’ki’yeh’ma’nu Veh’he’g’a’nu Laz’man há’zeh (Bendito sejas Tu, ó Eterno, Nosso D’us, Rei do Universo, que nos deste a vida, nos mantivesse e nos fizeste chegar até a presente época)
V) Novas Interpretações para Chanuka:
Chanucá é um feriado relativamente menor, com muito menos significado do Rosh Hashana (ano novo judaico), Yom Kipur (dia do Perdão), Pessach (a Pascoa Judaica) e Shavuot (recebimento da Tora). Assemelha-se em importancia a Purim (Salvação dos Judeus Persas pela Rainha Ester). A história de Chanucá é preservada nos livros de Macabeus 1 e Macabeus 2. Esses livros não são parte da Bíblia Hebraica, mas são parte do material religioso e histórico deuterocanônico da Septuaginta; esse material não foi codificado mais tarde pelos judeus como parte da Bíblia, mas foi codificado pelos católicos e cristãos ortodoxos. No Século 20, com o crescimento do Natal como o maior feriado no Ocidente e o estabelecimento do estado moderno de Israel, Chanucá começou a servir crescentemente tanto como celebração da restauração da soberania judaica em Israel e, mais importante, como um feriado para se dar presentes voltado para a família em Dezembro que poderia ser um substituo judaico para o feriado cristão. É importante notar que a substituição pelo Natal não é universalmente aceito, e muitos judeus não tomam parte nesta significação extra naquilo que eles consideram um feriado menor. Crianças judias, primariamente entre os Ashkenazim (judeus de origem europeia), também jogam um jogo onde eles giram um pião de quadro faces com letras hebraicas chamado de dreidel (סביבון sevivon em hebraico) .
VI) Significado de Chanuka:
Alguns aspectos merecem destaque:
a) Chanuka representa a vitória de alguns poucos idealistas, sobre um poder aparentemente invencível e dominante. A história nos ensina que o poder não transforma algo (ou alguem) em correto (ou certo), mesmo que detenha um poder imenso no momento (existem milhares de exemplos mesmo nos dias de hoje, como o “Presidente” Mugabe em Zimbabwe). Portanto, qualidade é mais importante do que quantidade, espiritualidade é mais importante do que materialismo (comparem com o caos econômico que esta acontecendo nos dias atuais), embora os dois sejam igualmente necessários. O profeta Zacarias escreve na leitura que fazemos no Shabat de Chanuka: “Não pela Força e nem pelo Poder, mas sim pelo Espírito”.
b) Das inúmeras perseguições que os Judeus sofreram na sua história a que ocorreu na época dos Macabeus tem uma peculiaridade única. Os Gregos tentaram destruir a essência do Judaísmo, corrompendo seus Textos Sagrados, suas crenças. Diferente do que ocorreu, por exemplo, na Inquisição, onde o abandono da fé Judaica era suficiente para a “absolvição” do não crente. Há uma perversidade especial na ação do Império Seleucida.
Uma curiosidade: a Chanukia (candelabro) que estava no Templo Sagrado de Jerusalém (Segundo Templo) foi levada pelos Romanos (liderados pelo futuro Imperador Tito) durante o saque e destruição de Jerusalém (que passou a ser conhecida como “Aelia capitolina”) e a mesma esta estampada no Arco de Tito em Roma.
Bom Feliz Natal a Todos e um Prospero 2009.
Feliz Chanuka a todos
Jairo