Caros,
Não sei classificar minha identidade judaica, não sei se sou um “judeu liberal”, um “judeu cultural”, ou um “judeu agnóstico”. Penso em D’us, meio da forma como Spinoza o definiu (e lembrem-se ele foi excomungado por isto). Nasci num lar judeu e fui criado como tal (em uma família muito pouco ligada à religião). Gosto da sua cultura, de muitos de seus valores éticos (mas obviamente não de todos) e me faz bem a alma muitas de suas tradições, como: certos rituais; a melodia das orações; varias das celebrações religiosas. É como “confort food” para a alma.
Hoje se celebra o dia 9 (em hebraico Tisha) do mês de Av (chamado de “Tisha B’Av”)*, que é o dia mais triste do calendário hebraico, pois varias tragédias ocorreram nesta data, sendo as mais importantes a destruição do 1º (586 AC) e do 2º templo (70 DC) em Jerusalém.**
Pela minha formação e maneira de pensar, tendo a encontrar significado atual para uma data como esta. A forma clássica de se entender as tragédias que ocorreram com os judeus (se seguramente com tantos outros povos) se deveu unicamente a culpa deles próprios, por exemplo: A destruição dos Templos teria ocorrido devido ao “ódio infundido entre os judeus”.
O Premio Nobel da Paz e sobrevivente de Auschwitz, Elie Wiesel (https://en.wikipedia.org/wiki/Elie_Wiesel), em seu magnifico livro “Noite” disse: “Não necessariamente os eventos que mais nos tocaram, são aqueles que nos afetam mais. Mesmo que não tenhamos pessoalmente vivido a destruição de Jerusalém, ou o Holocausto, nós temos uma obrigação de tratar um aos outros, com respeito, apesar de nossas diferenças”.
Wiesel continua: “Ainda que nós pessoalmente não tenhamos vivenciado as expulsões, pogroms, etc., nós ainda podemos perdoar. Só os culpados são culpados, seus filhos e descendentes não o são. Devemos nos esforçar para aprender com o passado e evitar injustiça, tomando ações diretas para lidar com os conflitos, sejam eles pessoais ou políticos”.
Em seu discurso “Os Perigos da Indiferença” de 1999, Elie Wiesel disse: “A indiferença não produz resposta. A indiferença não é resposta. A indiferença não é um começo, é um fim. E, portanto, a indiferença é sempre amiga do inimigo, pois beneficia o agressor, nunca sua vitima, cuja dor é ampliada quando se sente esquecida. Quando não respondemos a situação do prisioneiro politico em sua cela, as crianças famintas, os refugiados sem-teto. Oferecendo uma centelha de esperança, é equivalente a exilá-los da memoria humana. E ao negar sua humanidade, nós traímos a nossa própria”.
Abraham Joshua Heschel (https://en.wikipedia.org/wiki/Abraham_Joshua_Heschel), um importante pensador judaico do século XX, tb sobrevivente do Holocausto e rabino que mudou o pensamento judaico moderno (entre outras coisas ele estava ao lado de Martin Luther King, na famosa “Marcha de Selma”, tendo feito um comentário que se tornou celebre: “Quando marchei com MLK em Selma, senti que minhas pernas rezavam”)*** disse que: “a ética religiosa deve ir além da letra da lei, e se a religião não se comprometer com o social, é só fachada”.
Escrevo estas linhas olhado para as noticias atuais e pensando:
- São estimados cerca de 50% de abstenções, votos nulos e brancos na próxima eleição presidencial.
- Refugiados explodem pelo mundo (muito parecido com o que ocorreu durante o Holocausto)
- A guerra civil na Síria tem semelhanças com o ocorrido na Espanha, onde as Grandes Potencias testaram seus novos “brinquedos”.
- Países (e não só o Brasil) estão “rachados” e as propostas que mais encontram eco são as que propõem: “Nós contra eles”.
Barbara Tuchman (https://en.wikipedia.org/wiki/Barbara_W._Tuchman), uma de minhas Historiadoras prediletas em seu livro “A Marcha da Insensatez” (onde descreve quatro episódios bem distintos onde tragédias ocorreram; na época havia pessoas alertando sobre este desfecho, havia um curso alternativo, mas mesmo assim a tragédia ocorre), disse (cito de memoria, possivelmente com falhas): “a marcha da insensatez ocorre todos os dias e com todos nós, cabe a nós estarmos alertas e seguir o caminho alternativo”.
Concluo, “Tisha b’Av” reflete não apenas as tragédias ocorridas com o Judeus no passado, mas as tragédias que estão acontecendo com todos nós, em nossos dias atuais: o “ódio” dentro de nações; a omissão em relação as próximas eleições, a indiferença em relação aos refugiados, serão as causas das “Nossa Marcha da Insensatez”
Peço desculpas pelo texto um pouco longo, e pelas imprecisões (históricas e religiosas) que o mesmo tem (não sou um erudito em nada), mas apenas pelo gosto de por História que eu tenho, gosto de usar do ocorrido no passado, para prevenir erros no presente e no futuro.
Bom domingo a todos
jairo
Obs: estarei enviando este texto por e-mail e WhattsApp e assim pode ser que o recebam em duplicata
*Apenas para entenderem, o calendário hebraico é lunar (o dia começa com o entardecer), é composto tb de 12 meses, mas qdo o ano é bissexto, existe um mês extra (e por isto as datas entre o calendário gregoriano e o judaico não coincidem; exceção feita Pascoa, que é uma festa móvel, celebrada segundo o calendário lunar).
** Na época bíblica, se entendia que estes eventos trágicos ocorreram por culpa dos próprios judeus, que não seguiram os mandamentos divinos (vcs devem saber que os judeus são chamados de “o povo escolhido” e devem pensar que a interpretação seria, pois seriamos os “queridinhos de D’us”, mas não é isto não. Os judeus foram “escolhidos” para cumprir uma tarefa, que é seguir os 613 mandamentos bíblicos, não se iludam não são apenas 10 mandamentos, e qdo todos os judeus cumprirem todos os mandamentos, o Messias (que pode ser Jesus Cristo) virá (ou voltará) a este mundo e as profecias (em geral descritas pelo Profeta Isaias) serão cumpridas.