Fanny Hidal com FHC e Marta Suplicy
Ariel & Gabriel com FHC

Há um proverbio Italiano que não deve ser dito (por ser da época do Fascismo) que diz: “Meglio vivere un giorno da Leone che cento anni da Pecora” (melhor viver um dia de Leão, do que cem anos de Ovelha). Pois bem na 2ª feira , dia 09/02/20 vivi (de forma bem intima) meu dia de Leão, No Anfiteatro Moise Safra do Einstein ocorreu a celebração da seleção do Hospital Israelita Albert Einstein como um dos 50 melhores do mundo (o 38º) e o único na América Latina, pela revista Newsweek.https://www.newsweek.com/best-hospitals-2020

Creio que todos sabem o envolvimento de minha família na criação desta instituição e portanto o prazer de ver um sonho se tornar realidade é incomparável.

Também deve ser do conhecimento de vcs que tenho muitas discórdias com uma série de diretrizes institucionais, quer seja no Planejamento Estratégico, quer seja na forma como a Instituição é conduzida, mas são diferenças que consigo conviver e entendo que se tratam de diferenças de visões aceitáveis.

Pessoalmente eu tinha uma ambição (que agora vejo realizada), herdada de minha família, de fazer o Einstein ombrear os principais Centros Médicos do mundo. Quando entrei na Diretoria Eleita do Einstein, ainda na gestão do saudoso Dr. Féher, percebi que não seria uma tarefa fácil, pois o desenho da instituição era de “pequenos feudos”, onde cada um queria ser o “dono’ do seu pequeno mundo e a forma de cuidar era propriedade individual. A cultura interna (não só no Einstein) era que se vc tem reputação, vc tem qualidade.

Na época (1986) fui fazer Especialização em Administração na FGV, que era muito mais focada em processos administrativos e muito menos em garantia de qualidade e não fiquei satisfeito (na verdade fiquei desapontado com o que vi).

No nosso meio imperava o modelo de Certificação ISO (alguém se lembra disto?), que eu não gostava muito, pois:

1)      Permitia convívio de áreas excelentes com áreas deficientes (o Laboratório era o máximo, mas a lavanderia era um caos)

2)      A certificação apenas garantia que a norma era cumprida (mas não avaliava se a norma era boa

3)      Não tinha valor ético e Moral. Explico, o Campo de Extermínio de Auschwitz seria ISO Certificáve.

a. A temperatura dos fornos era perfeita

b.      O tempo que os corpos permaneciam nos fornos era preciso (e assim por diante)

Já na Gestão do Dr. Brandt, ocupei uma Vice-presidência de Qualidade.  Fomos a um seminário em San Diego, onde conhecemos uma empresa (InterQual) que tinha um interessante software de gestão hospitalar. Qdo eu expliquei como o Einstein funcionava o Sr. Charles me disse, mas o Einstein estava precisando de um Manual de Operações (definindo quem podia fazer o que, quais as regras de funcionamento).

 Fui buscar como o “mundo civilizado” cuidava deste assunto. Perguntei no Brigham’s & Women’s Hospital em Boston (onde eu havia feito meu Fellowship) para saber como eles lidavam com isto, foi quando fiquei entendo como funcionava a Joint Commission for Accreditation of Healthcare Organizations (Joint Commission), que controla a qualidade de mais de 20.000 Instituições americanas. 

Fui a Chicago varias vezes conversar com a Joint Commission (não foi a única iniciativa que buscamos . O Dr. Artur Katz foi ouvir outras opiniões entre elas a de um especialista em qualidade que também nos fez uma proposta, que não aceitamos) que a principio não queriam vir, pois não tinham “autoridade” sobre o Brasil (a Joint Commission existe por uma delegação do Congresso Americano).

Após muitas ida e vindas aceitaram (obviamente remunerados) a nos avaliarem. Pois bem o Manual deles tinha 15 macro funções (cada um com centenas de quesitos) e fomos aprovados em apenas um (e mesmo assim, passando na rabeira). Foi um balde de agua gelada, numa Instituição que arrogantemente se auto intitulava como de excelência. Corajosamente a Diretoria Eleita da época se propôs a que fossem feitas as melhorias necessárias para que pudéssemos ser enquadrados nas normas da Joint Commission (lembrem-se que ela não nos daria uma acreditação, apenas uma “Letter of Equivalence”).

Em dois anos, um grupo de gente jovem, destemida (pois enfrentamos MUITA oposição) fez uma revolução no Einstein e após 2 anos estávamos com a casa em ordem (a Joint Commission neste período  criou um ramo internacional) e conseguimos a nossa primeira Acreditação (outro dia de Leão na minha vida).

Seguramente vou esquecer de muita gente, mas prefiro pecar por não citar certos nomes a deixar de agradecer, mais uma vez aos companheiros de jornada: Nelson Hamerschlak, Laura Schiesari, Paula,  Amancio Ramalho, Sergio Wey; Claudio Schvartsman, Cindy Shugrue, Artur Katz; Flavio Takaoka; Rolf Bub (na verdade teve um montão de pessoas em todas as áreas)

Apesar de toda a satisfação que tive com a acreditação estava bem claro para mim aquilo era apenas a base mínima que um Hospital deveria ter, era o chão e não o teto. Não se poderia vangloriar por isto e para fazer o Einstein “cumprir seu destino” era preciso muito mais 

Fui buscar outras formas de aprimorar a qualidade e identifiquei algumas outras que pudessem nos ajudar, como por exemplo:

1)      IHI (que hoje é reconhecido como o nosso grande parceiro nesta busca):

a.       Há mais de 30 anos fui fazer cursos lá (levado pela Laura Schiesari)

b.      Um dos primeiros que fiz,  era sobre o papel de um Board Member em um Hospital “Non For Profit”: Garantir ao usuário que busca a instituição que tudo que precisa ser feito para que seu atendimento ocorra de forma adequada, foi realizado

c.       Dr. Donald Berwick aceitou à época vir ao Einstein nos dar consultoria, mas a nova Diretoria não aceitou seus honorários (USD 5.000,00/dia de consultoria)

d.      Hoje fico muito satisfeito de ver que a idéia era boa e que deu certo)

e.      Para quem não sabe: o Dr. Berwick que me ensinou sobre o Harry Potter (de quem passeia a ser um leitor voraz)

2)      Acreditações de áreas especificas, como (são muitas)

a.       Enfermagem: Magnet

b.      Banco de Sangue

c.       Laboratório (o laboratório de analises já tinha CAP antes de eu me envolver, Kol hakavod para eles)

d.      Tantas outras

3)      Humanização: Plaintree

4)      Fui fazer treinamento com o Dr. Kaplan em Harvard para desenvolver um Balanced Scorecard:

a.       A muitas duras penas (tremenda oposição) consegui desenvolver

b.      Qdo ficou pronto, foi sumariamente arquivado

5)      Premio Nacional da Qualidade (baseado no americano Baldridge

a.       Apliquei 2 vezes os critérios (com intervalo de ~3 anos)

b.      Demonstrou que a cultura organizacional não passava do nível gerencial (isto não é bom em uma empresa de prestação de serviços)

c.       Infelizmente os Top Executivos não aceitaram que esta ferramenta fosse aplicada novamente

6)      Crescimento em rede: 

a.       Havia (e acredito ainda haver) uma fixação por modelos como a Clinica Mayo (MD Anderson, Cleveland Clinic e outros)

b.      Apesar de admirar em muito estas instituições, não era o modelo que eu buscava para o Einstein, pois:

                                                               i.      Estas instituições são momo “Meca”, onde as pessoas vão em peregrinação buscar solução para seus problemas

                                                             ii.      Eu acho que o modelo que nos serve é o de Hospital Comunitário (já escrevi sobre isto antes)

                                                            iii.      Passei minha vida escutando uma frase do Dr. Féher: “No Einstein trabalha o melhor medico do mundo: Aquele que o paciente escolheu para cuidar de si” (nestes hospitais, tipo “Meca” quem trabalha lá em geral é um medico anônimo, cuidando de um paciente anônimo). 

c.       Fui buscar outros modelos e me encantei com a rede hospitalar do Mórmons (EUA), onde o principal hospital é o LDS, mas tem uma serie de clinicas satélites (os nosso executivos não deixaram chamar de Clinicas satélites e são chamadas e clinicas avançadas)

d.      Esta foi a origem da expansão extra Morumbi do Einstein

Quem me conhece sabe que eu não sou uma pessoa vaidosa e acredito não ser muito arrogante. A Mais-Mais (para quem não sabe como eu me refiro a Luci) me diz que eu sirvo para marido, mas não para politico, e com isto não conseguia implementar o modelo que eu tinha. Eu estava me tornando um serio obstáculo a implementação das ideias que eu defendia.

Ficou claro para mim, que eu precisava me afastar da Direção do Einstein para que estas ideias se consolidassem e que não precisassem de um “Lider” para existirem, isto é, que a qualidade passasse a estar no DNA do Einstein. Identifiquei 2 talentos jovens, médicos, de excelente formação, de famílias comprometidas com a Comunidade judaica e de valores morais e éticos excepcionais. Durante 3 anos eu me esforcei para transmitir a eles o que eu sabia. Levei-os a viagens, para conhecer o que me parecia ser o melhor que cada sistema tinha. Passei meus contatos e depois deste período deixei (ou fui deixado) a Alta Direção do Einstein (com bastante sofrimento pessoal). Nunca mais voltei a Direção e o único contato que eu tenho são as divulgações que recebo pela mídia interna (mas lido bem com isto).

Estes dois talentos (Drs. Zlotnik e Klajner) hoje ocupam a Alta Direção da instituição e minha satisfação maior é ver os bons resultados que eles trouxeram ao Einstein, à comunidade Judaica (sempre vale a pena lembrar que este Hospital foi construído como uma forma de retribuição e agradecimento ao Brasil que nos recebeu como refugiados), e ao Brasil, pois em “raising the bar” outros Hospitais comunitários excelentes que temos no país vão tentar nos superar e isto vai criar uma competição positiva em que todos continuaremos nos beneficiando. Agradeço do fundo do meu coração a eles e sei que tudo isto é um esforço de dezenas de milhares de pessoas a quem tb agradeço em nome de minha família e meu pessoal

Continuo tendo minhas diferenças com muitas coisas que ocorrem no Einstein, não acho que somos tão bom qto nos colocamos, mas este sou eu, fruto de uma família de sonhadores, que tem o privilegio de ver seus sonhos se tornar realidade.

Na geração de meu falecido (há quase 41 anos) pai muita gente acreditou em seu sonho (também teve sua oposição que chamava o Einstein de Elefante Branco. Sabem da onde veem esta expressão? O Elefante Branco, que na verdade é um Albino, na Tailândia é sagrado. Quando o Rei queria punir alguém dava de presente um destes animais, que ele teria de cuidar para o resto da vida) e somos muito gratos, na minha geração a história se repetiu e também agradeço a todos que colaboraram para chegarmos a este dia. Nós Judeus fazemos uma oração chamada de “shehecheianu”, que diz: “Bendito sejas Tu, Eterno, nosso D’s, Rei do Universo, que nos mantiveste em vida, nos sustentaste e nos permitiste alcançar os dias de hoje”

Termino parafraseando o Presidente Kennedy no seu discurso de posse: “the torch has been passed to a new generation”

Tenho certeza que nesta vida ainda terei muitos dias de Leão

Bom isolamento a todos

jairo

Adendo em 29-08-20

Hoje se noticia sobre um grave incêndio em um Hospital importante de Brasilia. https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2020/08/4871990-solda-em-ar-condicionado-teria-comecado-incendio-hospital-santa-luzia.html

Não pensem que isto é um evento corriqueiro, pois vejam este link mostrando que no Brasil em 2019 ocorreram 32 incêndios hospitalares. https://saudebusiness.com/gestao/32-casos-de-incendios-hospitalares-sao-registrados-em-2019-e-apenas-10-sao-noticiados/

6 Replies to “Um dia muito Feliz 14-03-20”

  1. “As pessoas felizes lembram o passado com gratidão, alegram-se com o presente e encaram o futuro sem medo.”
    EPICURO

    1. Amancio meu querido e grande amigo.
      Obrigado pela mensagem, mas se alguém conhece esta história de verdade, este é você.
      Obrigado por existir não só na vida da minha familia, mas na de tantas outras pessoas que vc toca com seu imenso coração.

  2. Amamos ler, entender e aprender um pouco mais sobre a história do Eisntein e da família Hidal! Parabéns Dr. 🙏

  3. Jairinho querido
    Seu Blog é um valioso presente com suas tão autênticas crônicas.
    Muito orgulho, admiração, gratidão e amor
    Bia

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