Na Pascoa Judaica (Pessach em hebraico, ou Passover em Inglês, onde ambos os termos se referem ao fato do “anjo da morte” ter passado “por cima” dos lares judaicos na 10ª praga) se comemora a liberação dos judeus do jugo do Faraó do Egito, onde os Hebreus ou Israelitas (naquela época não havia ainda o conceito de judeu) foram escravos por inúmeras gerações (se minha memória não falha, por mais de 400 anos)
A celebração de Pessach dura 8 dias (7 em Israel) e nas duas primeiras noites ocorre um jantar chamado de “Seder” (ordem em hebraico) que consiste em 15 etapas muito bem definidas (isto é “ordem” ou “Seder”). O ponto central desta comemoração é contar a história do Êxodo do Egito para as nossas crianças, a fim de que se lembrem que um dia fomos escravos e que D’us nos tirou da escravidão.
Durante os 8 dias de Pessach, um Judeu observante não deve comer nada que tenha sido fermentado (em lembrança de que como os Judeus saíram do Egito com pressa, não houve tempo para que a massa dos pães fermentasse) e deve tirar todo o fermento de sua casa. Para os seguidores desta pratica é um ritual arduo. Teleologicamente pode haver uma outra explicação. O Pessach ocorre no hemisfério norte ao final do inverno, onde as pessoas ficaram enfurnadas em casa por meses, fazer uma “Spring Cleaning” https://en.wikipedia.org/wiki/Spring_cleaning não seria uma má ideia (em especial para um povo que passou 400 anos como escravo)
Durante a minha infância e juventude o Primeiro Seder ocorria na Casa de meus Tios-avôs maternos Antonieta e Leon e o Segundo nas de meus Tios-avôs paternos Sarah e Samuel. Era um montão de gente e havia uma mesa principal onde se sentavam as pessoas mais importantes e nós ficávamos sentados na ponta. Numa certa vez meus pais quase chegaram a se sentar na mesa principal e comentei com orgulho: “Pai vc é realmente importante, já esta quase na mesa principal”, ao que ele me respondeu: “Não filho, é que faleceram pessoas e a fila anda”. Em hebraico se diz: “Le dor vador”, de geração em geração.
No Seder, há um lugar vago a mesa (e se deixa a porta da casa aberta) para receber o profeta Elllyahu (Elias), que anunciará a chegada do Messias.
Há um livro de reza, chamado Haggadah (narrativa em hebraico) cheio de ilustrações (que creio serem como uma revista em quadrinhos, para as crianças que ainda não aprenderam a ler https://www.facsimilefinder.com/facsimiles/sarajevo-haggadah-facsimile ) e nela esta escrito: “Não maltratarás o estrangeiro e não o oprimirás, porque foste estrangeiro no Egito.”
Creio ser esta a festa judaica que as famílias mais gostam de celebrar (Rosh Hashana e Yom Kippur são mais importantes, mas são mais solenes e tristes):
- Come-se bem (tipo “confort food”, que nos remete a sabores da infância)
- Tem varias taças de vinho a serem tomadas
- Cantamos juntos musicas que nos tocam a alma (e nos fazem lembrar de nossos antepassados)
- Há um momento mágico qdo as crianças cantam o Ma Nishtana (porque esta noite é diferente das demais noites?) https://youtu.be/RmabziV1LiY
- Reencontramos familiares e amigos que muitas vezes não encontramos durante o ano
Nestes mais de 2 anos da pandemia não pudemos celebrar o Pessach como habitualmente. Fizemos um Pessach Zoom, meio mequetrefe e sem graça e com muita ansiedade espero poder voltar a celebrar a liberdade, mas eventualmente seja legitimo poder fazer um certo “aggiornamento” desta celebração, vejamos:
- Do mesmo modo que havia um Faraó oprimindo os judeus, há uma série de dirigentes autoritários oprimindo vários povos
- Sírios refugiados em terras estranhas
- Milhões de Ucranianos escapando do Jugo de Putin
- Afgãs desnorteados com a ascensão do Talibã
- Mudanças climáticas que ameaçam a nossa sobrevivência
- O aumento da inequidade Social, com milhões e milhões vivendo na miséria
- O crescimento de posições dogmáticas (e até mesmo fanáticas) fazendo com que qualquer discórdia de opinião vire causa de cizânia, briga e rompimentos
- Parece até que há um castigo divino, assemelhado ao da Torre de Babel, onde D’us castigou os homens pela sua arrogância, fazendo com que não conseguissem entender uns aos outros
- Esta crescente intolerância se percebe em várias dimensões, como:
- Politica: conheço relatos de pessoas que ainda não se reconciliaram após as últimas eleições
- Religião
- Economia
- Futebol:
- Saúde
- A própria pandemia pode ser interpretada como uma das “Pragas”, e com ela pudemos presenciar o melhor e o pior da humanidade tem.
O judaísmo (como o Cristianismo e parte do Islã) é uma religião Messiânica, isto é, se acredita na vinda de um personagem “ungido” por D’us que fará a nossa redenção e se realizarão as profecias proclamadas pelo Profeta Isaias. No entanto, no judaísmo não são os Judeus que esperam pela vinda do Messias, mas o Messias que espera que estes cumpram as 613 mandamentos (não são apenas 10) dados por D’us a Moises no Monte Sinai, isto é, somo nós que temos de fazer acontecer os tempos Messiânicos.
Da mesma maneira creio que a nossa liberação da atual “escravidão” (metafórica) se dará pelos nossos esforços e se queremos um mundo melhor cabe a cada um de nós a tarefa de fazer a sua contribuição
De meus pais aprendi que temos a obrigação de entregar para a próxima geração um mundo melhor do que aquele que recebemos.
Assim desejo a todos um Chag Pessach Sameach (ou Feliz Festa da Passagem)
Chag Pesach kasher vesame’ach!
Querido Jairo
Sabias e tocantes palavras
Chag sameach
Dan
Crônica interessante e inteligente como você.
Muito bom além de médico um historiador… agradeço as informações sempre bem vindas.
Le dor va dor!
Lindo texto
Chag Sameach
Lindo ,Jairo!
Amei!
Bjs
Madrinha, obrigado